São Paulo, quarta-feira, 8 de janeiro de 1997
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A quem interessa a privatização da Vale

VICENTE PAULO DA SILVA; MARCELO SERENO

Nem mesmo o governo acredita mais na história da carochinha das verbas para saúde e educação
VICENTE PAULO DA SILVA e MARCELO SERENO
É impressionante a rapidez com que os defensores da privatização da Vale do Rio Doce atacam as personalidades da sociedade brasileira que se manifestam contra suas idéias. Para alguns "neo-iluminados", a privatização é um dogma, e qualquer ataque ao programa de privatização tem motivações corporativas e de defesa de privilégios.
Alguns argumentos esgrimidos pela nata dos "neo-iluminados" atacam a eficiência econômica da empresa -como Roberto Campos (Folha, 24/11/96). Ele tenta dar racionalidade à ideologia da privatização. Mas é inconsistente.
Nesse artigo, apresenta-se uma tabela, sem citar a fonte, onde a Vale mostra um retorno sobre ativos e um valor patrimonial sobre o valor de mercado bem abaixo das mineradoras internacionais. Nada mais incorreto. Afinal, qualquer estudante sabe que não é possível somar banana com laranja, e foi isso que o articulista fez.
As empresas listadas têm seus balanços e demonstrativos elaborados a partir de normas contábeis americanas, que, no caso da comparação acima, alteram sobremaneira o resultado.
Falar que a única solução da rolagem da dívida do governo é a venda de patrimônio público é insensato. É o mesmo que uma pessoa com vários papagaios no banco vender a geladeira, o carro e, finalmente, a casa para pagar os juros das suas dívidas.
Essa é, aparentemente, a proposta do governo FHC. Pois nem mesmo o governo acredita mais na história da carochinha das verbas para saúde e educação. Nenhum recurso do Programa Nacional de Desestatização foi revertido em mais verbas para a área social. Muito pelo contrário, o Fundo de Estabilização Fiscal tira 25% das verbas dessa área e as transfere para o caixa único do governo, para gastar com a (alta) sociedade: Proer, usineiros, latifundiários e outros mais bem aquinhoados.
A tragédia mexicana e argentina não parece influenciar nossos tecnocratas "neo-iluminados". Lá, os governos venderam tudo o que podiam, e, mesmo assim, as economias não se estabilizaram. A inflação mexicana retornou rapidamente, após a desvalorização do peso, para o patamar dos dois dígitos, e nos últimos dois anos a taxa de desemprego se mantém em torno de 20%.
Parece que o exemplo dos vizinhos só serve quando se encaixa no modelito neoliberal da nossa velha elite. Nenhum defensor da privatização se lembra de citar o Chile, modelo de sociedade neoliberal, quando defendem a venda da nossa maior mineradora, pois lá ninguém mexeu na Codelco, maior mineradora de cobre do mundo, e não se fala em privatizá-la.
O modelo de privatização do consórcio avaliador é um jogo de cartas marcadas para o grande capital internacional controlar a Vale e, por conseguinte, boa parte do nosso subsolo.
As companhias e consórcios (eufemismo para oligopólios) que aceitaram pagar US$ 150 mil para poder visitar a sala onde milhares de documentos da CVRD estão depositados no BNDES, para que os possíveis compradores conheçam melhor a Vale, dão uma boa dimensão do que falamos: Votorantim, RTZ (inglesa), BHP (australiana), Anglo American (sul-africana), Nisho Iwai (japonesa), entre outras.
A desfaçatez da tecnocracia privatizante não tem limites; como explicar que os interessados na venda pelo melhor preço sejam os maiores detratores da Vale? É necessário que se divulgue o que é a Vale para que a população faça um juízo do que está em jogo.
Apenas alguns dados sobre as minas ativas da CVRD são suficientes para demonstrar essa tese: Mina N4-E - 35 milhões de tpa (toneladas por ano) de Fe; Complexo Cauê - 30 milhões tpa de Fe; Complexo Conceição - 18,1 milhões tpa de Fe; Fazendão - 1,9 milhão tpa de Fe; Timbopeba - 6 milhões tpa de Fe; Azul - 750 mil tpa de Mn; Faz. Brasileiro - 1,05 milhão tpa de Au; Igarapé Bahia - 1 milhão tpa de Au; Riacho dos Machados - 600 mil tpa de Au; Faz. Maria Preta - 200 mil tpa de Au; Itabira - 25 mil tpa de Au (fonte: "Brasil Mineral", maio de 1995).

Felizmente, a sociedade brasileira tem demonstrado sua capacidade de resistir e de construir alternativas para o credo da Inquisição no nosso final de século. A melhor prova é a formação da mais ampla frente em defesa da Vale.
Os trabalhadores sabem que nem todos nessa frente comungam os mesmos interesses, certamente não é geral a compreensão de que é preciso não só privatizar como democratizar as estatais brasileiras e desprivatizar o Estado brasileiro, mas nem por isso a CUT e seus sindicatos filiados vão levantar qualquer obstáculo para que essa aliança entre vários setores da sociedade brasileira se concretize e mesmo se amplie. Essa luta não têm um só dono. Essa luta vale um país.

Vicente Paulo da Silva, 40, é presidente nacional da CUT (Cntral Única dos Trabalhadores) é do Inspir (Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial).
Marcelo Sereno, 38, é primeiro-secretário da CUT Nacional e funcionário da Companhia Vale do Rio Doce.

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