São Paulo, sábado, 11 de janeiro de 1997
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Ator criou a figura do sedutor pós-feminista

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Assumidamente filho teatral de Luchino Visconti e cinematográfico de Federico Fellini, Marcello Mastroianni (1924-1996) forjou uma persona fílmica de raro carisma. Um dos raríssimos astros do cinema mundial de origem européia, cativou a platéia com uma masculinidade doce e passiva, numa improvável síntese de Quixote e dom Juan.
Mastroianni criou no cinema europeu a figura do sedutor pós-feminista, do "latin-lover" autocrítico. Não é à toa que, imediatamente depois da explosão como o dionisíaco jornalista de "A Doce Vida" (1959), interpretou o marido impotente de "O Belo Antonio" (1960) de Bolognini e o burguês entediado de "A Noite" (1961) de Antonioni.
A mesma resistência ao enclausuramento de sua imagem na do "latin-lover" levou-o a satirizar nos palcos italianos ("Ciao, Rudy", 1966) ninguém menos que o pai da estirpe, Rudolph Valentino (1895-1926).
Um movimento coerente estimulou-o a dar vida, anos mais tarde, ao gentil homossexual de "Um Dia Particular" (1977) e a um Casanova envelhecido e desglamourizado em "Casanova e a Revolução" (1982), ambos do essencial Ettore Scola.
Paródia do galã
É preciso estudar Mastroianni para se compreender a reconstrução da identidade masculina pós-guerra, tema central por exemplo de cinensaios como "Ciao Maschio" (1977) de Ferreri e "A Cidade das Mulheres" (1980) de Fellini.
Mesmo nas imensamente populares comédias que protagonizou, tipo "Divórcio à Italiana" (1961) de Germi, o ator como que parodia o galã. Tudo se passa como se os conquistadores de Mastroianni jamais esquecessem que, descendentes de Adão, foram expulsos do Paraíso -logo, todo prazer é lucro, ainda que a derrota seja certa.
Admirador de Jean Gabin, colega de geração de Yves Montand e de Jean-Louis Trintignant, Marcello Mastroianni superou a todos e se tornou talvez a maior estrela européia.
Trabalhou em Hollywood há quatro anos, quando ceder já não era mais ceder, mas sim triunfar, e os dois resultados contam-se entre os pontos baixos de sua extensíssima filmografia com mais de centena e meia de títulos.
Mesmo restrito nesta primeira parte a pouco mais de uma dezena de filmes, o ciclo que a Cinemateca permite um sobrevôo à trajetória de Mastroianni.
Eis o jovem ator em busca do reconhecimento ("Paris É Sempre Paris"), o ponto de virada ("A Doce Vida"), o auge de popularidade ("Divórcio à Italiana"), o ápice do ator como co-autor ("Oito e Meio"), a maturidade de um gênio ("Um Dia Muito Especial", "Casanova e a Revolução"). Não é pouco.

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