São Paulo, quarta-feira, 15 de janeiro de 1997
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Saúde: qual o futuro?

RAUL CUTAIT

Com a chegada de 1997, reacendem-se os questionamentos sobre o futuro da saúde no nosso país. Uma análise retrospectiva do que vem ocorrendo nos últimos anos mostra que as discussões mais importantes deixaram de se centrar nos aspectos técnico e científico e passaram a gravitar especialmente em torno do financiamento e, de maneira não menos importante, do gerenciamento.
Isso vem acontecendo em vários países, em decorrência de dois fatores primordiais: a saúde está mais cara, e os recursos ficaram insuficientes.
Atualmente, gasta-se mais em saúde por diversos motivos: as atenções à saúde tendem a se universalizar, o que faz com que novos contingentes populacionais tenham acesso a esse bem social; o aumento da idade média das pessoas tem encarecido tremendamente os custos do atendimento médico; a incontida incorporação de novas e caras tecnologias torna os diagnósticos e os tratamentos cada vez mais dispendiosos.
Quanto aos recursos do setor público, o que vem ocorrendo, em nível mundial, é que estes estão limitados, não permitindo que se construam e se mantenham sistemas de saúde dignos e eficientes, enquanto o setor privado não consegue (ou não pretende) ocupar espaços existentes.
No Brasil, vive-se sob o preceito constitucional de que saúde é dever do Estado. Este, por sua vez, tem se demonstrado incapaz não apenas de gerar os recursos necessários para poder oferecer à população um sistema competente, mas também de criar um modelo administrativo e gerencial que permita uma melhor utilização dos recursos existentes.
O financiamento da saúde no Brasil tem sido historicamente mal solucionado. Ao longo dos últimos dez anos, gastou-se em nosso país menos de 3% do PIB nesse setor, ao contrário de alguns países do Primeiro Mundo, que dispendem entre 8% e 12% de seus PIBs com saúde. Isso demonstra que, pelos motivos os mais variados, saúde nunca foi tratada como uma real prioridade nacional.
Os recursos alocados para a saúde vêm de contribuições salariais e da seguridade, que apresentam os inconvenientes de serem sensíveis às flutuações econômicas externas ao setor saúde, pouco expansíveis, além do que, pela lógica de financiamento, a saúde é totalmente distinta de pensões e aposentadorias.
Já a CPMF deve ser entendida apenas como um mecanismo temporário de arrecadação e não como uma fonte permanente de recursos para a saúde. A longo prazo, a saúde deve ser primordialmente financiada com recursos advindos do orçamento fiscal.
Por outro lado, é necessário que os Estados e municípios participem mais intensamente do financiamento da saúde, eventualmente sob a forma de recursos arrecadados via tributação sobre o consumo.
Um outro problema a meu ver ainda não adequadamente encaminhado diz respeito à participação do setor privado nas atenções à saúde. Creio que já é tempo de se entender que a saúde não pode prescindir nem dos recursos nem das experiências administrativas advindas tanto do setor público quanto do privado, e que os dois setores podem e devem atuar em caráter de parceria.
Assim, é fundamental que se entenda o Estado como criador de políticas de saúde e como entidade controladora e normatizadora, preocupada não só com o acesso da população às ações de saúde, mas também -o que pouco se comenta- com a qualidade da atenção oferecida.
Por outro lado, o setor privado pode ter uma atuação abrangente, em especial no atendimento médico, mas, para isso, necessita com urgência de regulação apropriada, que só irá favorecer os grupos que atuam com competência e seriedade, em benefício da população assegurada ou conveniada.
Além disso, acredito serem necessárias medidas fiscais que incentivem o setor privado a se motivar a atender pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que cerca de 70% das suas internações ocorrem em estabelecimentos privados, filantrópicos ou lucrativos. O incentivo via filantropia encaixa-se perfeitamente no momento atual, que valoriza a efetiva participação da sociedade civil nas questões sociais.
Finalmente, não se pode deixar de considerar a fundamental valorização do profissional, mola mestra para o bom desempenho de qualquer modelo para a saúde.
Em recente estudo promovido por várias entidades, constatou-se que no Brasil cerca de 45% dos médicos ganham, com o exercício da profissão, até R$ 2.000 por mês, à custa de três empregos. Não bastasse os ganhos serem aquém do compatível até mesmo com as necessidades de educação continuada desses profissionais, muitos deles trabalham em locais cuja resolutividade é inferior às expectativas, gerando descontentamento e desestímulo.
Em conclusão, quaisquer propostas para melhorar o sistema de saúde do país passam: 1) pela vontade política de se priorizar esse setor, equacionando seu financiamento por meio da reforma fiscal e tributária; 2) reconhecimento da importância do setor privado como um parceiro necessário, mas que urge ser convenientemente regulamentado; 3) criação de incentivos fiscais para a saúde, que favoreçam a participação da sociedade civil nos problemas do setor; 4) valorização dos profissionais de saúde. Sem atentar para esses aspectos, será difícil aproximar-se de soluções exequíveis e socialmente justas.

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