São Paulo, quinta-feira, 16 de janeiro de 1997
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O paradoxo elétrico (3)

CELSO PINTO

A privatização do setor elétrico será acelerada este ano, mas existem inúmeras dúvidas sobre como ele funcionará no futuro. Em que medida a falta de regras afetou, ou poderá afetar, o preço de venda?
Incertezas acabam reduzindo o preço de venda e fazendo com que os investidores exijam taxas de retorno maiores. Na área de geração as dúvidas são tantas que, se alguma geradora fosse privatizada hoje, certamente seu preço de venda seria afetado, admite o vice-presidente do BNDES, José Pio Borges.
No entanto, paradoxalmente, as três empresas de distribuição privatizadas (Escelsa, Light e Cerj) foram vendidas por preços bastante razoáveis em padrões internacionais. A Cerj, em especial, teve um generoso ágio de 30%.
Borges sustenta que, na área de distribuição, a falta de algumas definições pode, paradoxalmente, elevar o preço. Um dos princípios que deverão orientar o setor é dar ao consumidor de grande porte (acima de 10 megawatts) o direito de comprar energia de quem quiser. Ou seja, uma empresa como a CSN poderia comprar sua energia direto de Furnas, em vez da Light.
Para que o princípio do "open access" saia da teoria, contudo, faltam regras, a começar de quanto vai ganhar quem estiver apenas transmitindo energia de terceiros. Enquanto a definição não vier, a Light continuará sendo fornecedora exclusiva para a CSN. Outra razão do interesse nas distribuidoras é sua ineficiência. Numa distribuidora, diz Borges, o custo da energia responde por 60% do total. Existe boa margem, portanto, para melhorar a eficiência dos outros 40%. A Light privada, por exemplo, reduziu em 37% o número de funcionários. Indicadores de eficiência como perda de energia e número de empregados por consumidores são baixos no Brasil, mesmo entre as melhores empresas. Contando com fortes ganhos com a reestruturação, os investidores privados aceitam pagar preços maiores.
No caso da geração, esta lógica não funciona: o custo do capital é 90% do total. Se um investidor comprar uma geradora e demitir metade dos funcionários, diz Borges, reduzirá seus custos em apenas 3%.
Além disso, a falta de definições embute enormes riscos. A idéia, diz Borges, é que, no modelo privado, o distribuidor tenha liberdade de comprar energia do gerador que lhe oferecer menor preço. Ao mesmo tempo, contudo, o gerador tem de ter garantia de retorno estável, de longo prazo, para investir nesta área.
Quem pagará por esses investimentos? O preço da energia no Brasil é baixo, por razões históricas. Já as margens das distribuidoras são boas e, no caso das três privatizadas, estão garantidas no futuro: qualquer aumento no custo da energia será repassado ao consumidor. Nesse caso, o custo dos investimentos ou sairá da margem do gerador ou será repassado ao consumidor. É fácil ver que, conforme as respostas a estas questões, o valor do negócio pode mudar dramaticamente.
Peter Greiner, secretário de Energia do Ministério de Minas e Energia, diz que é preciso formalizar um modelo para o setor, com leis específicas, como forma de reduzir as incertezas dos investidores privados. Faz uma conta que assusta.
O setor vale uns R$ 90 bilhões e fatura R$ 15 bilhões por ano. Ele acha que uma remuneração razoável para um investidor privado seria de 11% (Borges fala em 15%). Se, em função das incertezas, o investidor exigir 1% a mais de retorno (ou R$ 900 milhões) sobre seu investimento de R$ 90 bilhões, terá de aumentar em 6% o faturamento (de R$ 15 bilhões), elevando as tarifas. No final, 1% a mais de retorno exigirá 6% a mais de tarifas.
David Zylbersztajn, secretário de Energia de São Paulo, rebate. O que mais aumenta a insegurança do investidor, diz ele, não é a falta de algumas regras, mas o risco de que as regras existentes possam mudar no futuro. Exatamente o que se terá, argumenta, se o governo insistir em definir um modelo em novas leis, num longo processo de discussões.
Haja ou não um modelo formal, todos concordam que existem várias questões de enorme relevância que dependem de definições e decisões do governo. Não basta, portanto, apenas acelerar a privatização do setor elétrico.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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