São Paulo, quinta-feira, 16 de janeiro de 1997
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Antonio's encerra ciclo de 30 anos

LUIZ ANTÔNIO RYFF
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Por causa da crise econômica, um dos mais tradicionais redutos da boemia carioca fecha suas portas no domingo. É o fim de 30 anos de história.
Frequentado por intelectuais e artistas como Tom Jobim e Vinicius de Moraes, o bar e restaurante Antonio's vai se transformar em um bar mexicano que já tem até nome, Salza, e data para a inauguração, o final do mês.
Com o fechamento da cozinha, o restaurante vira bar, muda de estilo e de público. Saem os intelectuais e artistas e entram os jovens.
Para Alessandro Massimo, 30, sócio majoritário da casa, foi a forma de evitar a falência.
"O tradicional ficou caro de sustentar. Falta cliente. É preciso se adaptar à realidade. O estilo mexicano está em alta, e o pessoal mais jovem é que está torrando dinheiro, mesmo que pingadinho", afirma Massimo.
Segundo ele, desde julho, quando reabriu após um incêndio no réveillon, o Antonio's estava dando um prejuízo mensal de R$ 7.000 a R$ 10 mil.
Anedotário
A frequência foi caindo com o tempo. E boa parte dos frequentadores ilustres morreu. As 13 mesas do lugar já foram ocupadas por Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, os escritores Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga, o pintor Di Cavalcanti, o cineasta Ruy Guerra, as atrizes Dina Sfat e Leila Diniz e por muitos outros famosos.
Entre eles o pessoal de "O Pasquim", que transformou a casa em uma redação informal do jornal.
Com tantos frequentadores ilustres, o restaurante acabou recolhendo um vasto folclore que virou um livro, "Caleidoscópio de um Bar", escrito pelo publicitário Mário de Almeida.
O restaurante foi criado em março de 1967, como Strangers in the Night, mas o nome sobreviveu apenas três dias.
"Estou desolado. Foi meu segundo lar", afirma o jornalista Sérgio Cabral, lembrando que, ao sair da prisão, em 1971, passou no Antonio's antes de ir para casa.
Ele lembra que, três dias após ser solto, estava bebendo no Antonio's com o cronista Carlinhos de Oliveira. Eram 3h e os dois eram os últimos clientes do bar quando chegou o general Sizeno Sarmento, então comandante do 1º Exército. "Meu carcereiro", resume.
"Ele entrou. Foi até o fundo do bar. Voltou e sentou na nossa mesa sem saber quem nós éramos. Já tínhamos bebido razoavelmente e ele estava de pilequinho. Em dez minutos estávamos íntimos do general. E mais, sacaneando o general cantando: 'General, general, é melhor e não faz mal' ", lembra.
Cabral foi preso em 1970 com quase toda a redação de "O Pasquim" e passou o final do ano na cadeia.
Um dos companheiros de cela, o cartunista Ziraldo, tem algumas lembranças da experiência.
Lembra que Paulo Francis passava os dias de cueca samba-canção até o umbigo e que, na noite de Natal, Manolo, então dono do Antonio's, mandou uma ceia com peru para os amigos na cadeia.
Ziraldo lamenta o fechamento e acredita que ele representa o fim de um tipo de bar. "Acabou aquela história do 'meu bar', do bar que funciona como um clube fechado."
"Um bar é como o ser humano. Nasce, cria fama e morre", diz Ziraldo, lembrando algumas histórias que construíram a fama do Antonio's.
A mais conhecida é de quando o restaurante foi assaltado e todos os clientes foram trancados no banheiro. Enquanto os assaltantes aliviavam a caixa registradora, de dentro do banheiro, Carlinhos de Oliveira gritava para eles levarem os penduras.

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