São Paulo, quinta-feira, 16 de janeiro de 1997
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Cidade simboliza incapacidade de conviver

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

Hebron não é apenas mais uma cidade palestina em que se instalaram colonos judeus. É o museu histórico de como duas tribos, "irmãs siamesas", são incapazes de conviver no mesmo corpo.
O que se disputa em Hebron não é um território, é um símbolo dessa incapacidade.
O ponto central do confronto chama-se Abraão, para os judeus, e Ibrahimi, para os palestinos (ou árabes em geral). São a mesma pessoa, o mesmo profeta, o mesmo corpo guardado na mesma tumba.
Mesmo assim, árabes e judeus não chegam a Abraão/Ibrahimi pelo mesmo caminho nem vêem a tumba pelo mesmo ângulo.
Desde o massacre na tumba dos Patriarcas, em que o médico judeu fanático Baruch Goldstein matou 29 palestinos que ali oravam, em fevereiro de 1994, as autoridades israelenses resolveram dividir o acesso em dois.
Por um lado, entram os judeus. Pelo outro, oposto, os árabes (e demais). E olham a tumba também por lados opostos.
O templo tem 2.000 anos, prova, para os árabes, de que a terra é deles. Mas é nela que, além de Abraão, estão enterradas também Sara, Lea, Isaac, Jacó e Rebeca, matriarcas e patriarcas do judaísmo, e é nesse mesmo local que os judeus rezam desde antes do advento do islamismo.
Prova, para os judeus, de que a terra é deles.
Tudo somado, as colônias judaicas de Hebron (quatro no total, com 415 colonos, cercados por aproximadamente 120 mil palestinos) são um exercício de afirmação judaica.
Foram criadas por extremistas religiosos dos grupos Gush Emunim e Kach e são tidas hoje, por seus habitantes, como uma espécie de primeira linha de defesa de Jerusalém, a capital sagrada para os judeus.
"Se cair Hebron, Jerusalém cairá em seguida", repete sempre David Wilder, o líder dos colonos da cidade. Tão radical que chega a afirmar:
"Consulte qualquer livro de história e não achará neles qualquer referência ao povo palestino. É uma criação dos últimos anos, feita pelos árabes e por Arafat."
É esse tipo de mentalidade que leva os palestinos a considerar que os colonos não os tratam como seres humanos, conforme a Folha ouviu de Shaher Khadi, um vendedor de flores da principal rua comercial da cidade, durante a realização da eleição palestina, em janeiro do ano passado.
Esse quadro, imensamente complexo, explica por que Hebron foi o ponto mais difícil de resolver, nas negociações entre Israel e os palestinos.
O que acontecerá na cidade, agora que se chegou a um acordo, será em boa medida determinante para a continuidade do processo de paz.
E, acima de tudo, para determinar se os "irmãos siameses" serão capazes ou não de conviver no mesmo corpo, o pequeno território localizado entre o rio Jordão e o Mediterrâneo.

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