São Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 1997
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Os jurados e a opinião pública

LUÍS FRANCISCO CARVALHO Fº

O julgamento do caso Daniella Perez começa sob a desconfiança de que os réus não encontrarão um ambiente de imparcialidade. Não há solução técnica para o problema.
O desaforamento -medida processual prevista para se transferir o julgamento para outro local, quando as condições do lugar do crime criam dúvidas sobre a parcialidade dos jurados- seria inútil. A raiz desse sentimento não está na cidade do Rio de Janeiro. O clima de condenação seria idêntico em qualquer canto do país, e, certamente, mais acirrado ainda numa comunidade provinciana.
Se no Brasil até senadores de esquerda se deixam embalar pela comoção das novelas da TV Globo, o que esperar do tribunal popular, formado por pessoas comuns e que muito provavelmente também se comoveram com o fim trágico da atriz?
Os ingredientes quase ficcionais do crime, as estranhas tatuagens dos réus, a simpatia da vítima, o sofrimento profundo de sua mãe, o ruído das ONGs e dos artistas, o prejulgamento da mídia, o desmoronamento estúpido de um mundo que parecia mágico e feliz, tudo isso faz com que a sensação de cartas marcadas ultrapasse limites meramente territoriais, fixados pelo local do crime.
A Justiça não considera o noticiário dos meios de comunicação, favorável ou desfavorável a alguém, como um indício de parcialidade dos jurados.
Mas a opinião pública influi, sim, no resultado dos julgamentos. E seria impossível contê-la. Só com o obscurantismo da censura se formaria um corpo de jurados absolutamente livre de pressões psicológicas. A mesma censura, aliás, que proibiu a circulação do livro de Guilherme de Pádua, sob o argumento de que ofendia a reputação da vítima.
O fato é que a versão que se consolidou sobre o assassinato de Daniella Perez é a versão da acusação: a de que os réus mataram a atriz premeditadamente, por motivo torpe e de forma a impossibilitar sua defesa. O que não coincide com isso é recebido como pura mentira. Os réus não merecem compaixão, mas a mais severa das punições: não por matar alguém, mas por matar aquela menina que brilhava nas telas da TV.
O julgamento de um crime passional é o desenrolar de uma terrível tragédia, a ser observada como tragédia real, não como espetáculo. Uma tragédia com duas mãos de direção: talvez nada se aproxime mais da dor de perder alguém assassinado nessas condições do que a dor de ser o próprio assassino.
Nos tribunais, deveria prevalecer a verdade. Mas nem sempre é assim. Esta é a grande incógnita do julgamento que hoje começa: estarão os sete jurados predispostos à imparcialidade ou já trazem no inconsciente a decisão de rejeitar qualquer circunstância capaz de alterar a sorte anunciada de Guilherme de Pádua ou de Paula Thomaz?
Apesar de tudo, o tribunal do júri, costumam dizer, é uma caixinha de surpresas. É que, diante dos jurados, a liberdade de expressão é absoluta: para acusar e para defender.

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