São Paulo, quinta-feira, 23 de janeiro de 1997
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Reeleição e déficit comercial

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Dois temas vêm dominando o noticiário nas últimas semanas: as aspirações continuístas do presidente da República e os imensos déficits na balança comercial.
A ligação entre os dois assuntos parece evidente: desde o momento em que o governo se comprometeu com a tese da reeleição, os outros problemas ficaram em banho-maria. Todas as decisões fundamentais em matéria de reformas econômicas e política financeira foram postergadas.
É um jogo perigoso. O desempenho recente da balança comercial e de outros componentes das contas externas apontam para forte deterioração da posição internacional do país em 1997.
O problema é que as medidas que poderiam ser tomadas para reverter o desequilíbrio externo conflitam, quase sempre, com o objetivo que o governo vem buscando obsessivamente desde o segundo semestre do ano passado: assegurar um quadro econômico e social propício à passagem da emenda constitucional da reeleição.
É uma "avant-première" do que teremos em 1998, caso o presidente seja bem-sucedido na sua pretensão de se recandidatar. As providências requeridas para dar solidez ao quadro econômico estarão, outra vez, na dependência do calendário político e eleitoral.
Tudo repousa, evidentemente, na suposição de que persistirá a abundância de capitais externos. E, em caso de crise, na esperança de socorro financeiro dos EUA, do FMI e das outras entidades multilaterais de crédito.
Vejam bem o que isso significa: em nome de projetos político-eleitorais e até mesmo de pretensões pessoais do presidente, decide-se colocar em risco a posição internacional e até a segurança do país.
Foi lançado recentemente no Brasil o livro "Auto-subversão", de Albert Hirschman, professor emérito do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton. O prefácio da edição brasileira é de Fernando Henrique Cardoso.
Pois bem. Neste livro há um ensaio sobre a economia política do desenvolvimento da América Latina, que merece leitura atenta. Ao recapitular as desastrosas experiências da Argentina e do Chile nos anos 70, Hirschman observa que não é possível compreendê-las sem levar em conta as circunstâncias especiais prevalecentes nas finanças internacionais naquele período.
"Subitamente", recorda, "parecia existir uma oferta ilimitada de moeda estrangeira (...) para qualquer país capaz de convencer os banqueiros de que era merecedor de crédito." Nesse contexto, Argentina e Chile puderam "sustentar por um período prolongado a sobrevalorização de suas moedas e os resultantes déficits elevados em seus balanços de pagamentos", ressalta Hirschman.
O preço que se pagou foi elevado. Grande parte da indústria não resistiu à competição desigual com importações favorecidas pela remoção de barreiras comerciais e, sobretudo, pela persistente valorização da taxa cambial. Empresas nacionais menores foram esmagadas pela altas taxas internas de juro. E quando o mercado financeiro internacional se retraiu, sobrevieram crises cambiais e recessões profundas.
Hirschman argumenta que, para entender esses episódios, não basta deblaterar contra a ortodoxia de livre mercado, que dominou a Argentina e o Chile nos anos 70, ou alertar para os perigos de conceder poderes ditatoriais a ideólogos. Países orientados por outro tipo de ideologia econômica, como o México, acabaram adotando políticas cambiais e financeiras semelhantes naquela época, com consequências também desastrosas.
A sua conclusão é que os planejadores econômicos desses países não devem ser considerados "os soberanos arquitetos da destruição", mas provavelmente "vítimas deploráveis de uma armadilha que o sistema financeiro internacional lhes preparou."
"De te fabula narratur". Será que o presidente lê os livros que prefacia?

Paulo, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail pnbjr@ibm.net

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