São Paulo, quinta-feira, 23 de janeiro de 1997
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Ajuste microeconômico da balança

LUÍS NASSIF

A grande aposta do governo na questão cambial reside em um documento sigiloso, preparado por escalões técnicos da Fazenda e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com projeções de fluxo na balança comercial e nas contas correntes.
A conclusão não tranquiliza o governo: o momento máximo de tensão na área externa deve se dar justamente em fins de 1998, em pleno processo eleitoral.
O que o documento faz é quantificar todos os investimentos que estão sendo realizados no momento, calcular, um a um, o impacto sobre as exportações e sobre as importações -e, a partir daí, montar um fluxo de caixa estimado da conta comercial e de investimentos.
O objetivo principal é escapar da armadilha dos generalismos que têm dominado maciçamente o debate macroeconômico e produzido uma discussão, muitas vezes, distante da realidade.
Superficialidades
Na cabeça dos críticos da política cambial, há a avaliação estática do desempenho da balança, sem levar em conta os investimentos e processos de reestruturação em marcha.
O setor de calçados tinha sido alijado do mercado exportador pelas políticas cambial e monetária de 1995.
Um projeto de reestruturação permitiu que, no ano passado, retomasse os níveis de exportação pré-crise.
Do mesmo modo, a privatização e a reestruturação da Embraer permitirão à empresa, neste ano, exportar US$ 450 milhões.
Na cabeça dos defensores da atual política, o escapismo consiste em anunciar que apenas os investimentos diretos serão capazes de fechar as contas externas -sem avaliar seus impactos imediatos sobre as importações.
Na privatização da banda B da telefonia celular, por exemplo, se não for feito nenhum trabalho de capacitação do fornecedor nacional, de cada cinco unidades de investimento, quatro serão importadas.
Monitoramento
Com base nas informações disponíveis até agora, o documento não é tranquilizador. Mantidas as premissas atuais de crescimento das importações, os novos investimentos permitirão a inflexão da curva de crescimento dos déficits comerciais apenas a partir de 1999.
O que significa que o auge da tensão em torno da balança se dará em fins de 1998 -em plena campanha eleitoral-, à medida que forem divulgados os resultados acumulados da balança comercial.
O grande desafio do governo será tentar antecipar esse momento de inflexão da curva da balança comercial.
E a estratégia adotada cai novamente no campo microeconômico: além da tal redução do "custo Brasil", trabalho concentrado em setores com potencial exportador ou de aumento do valor agregado, visando substituição de importações.
O principal mecanismo de apoio deverão ser os novos instrumentos de financiamento a prazos mais largos.
Os setores prioritários são o eletroeletrônico (mais pela possibilidade de substituir o importado) e o de telecomunicações -investindo pesadamente na estrutura de médias empresas nacionais fabricante de componentes.
Há muitas incógnitas em jogo. A primeira, sobre a capacidade de atuar simultaneamente e com eficiência sobre vários setores.
A segunda, sobre o próprio comportamento das importações e dos déficits comerciais ao longo dos próximos dois anos. Se há razoável condição de prever o comportamento das exportações, o das importações continua uma incógnita.
Ano a ano, tem aumentado o percentual de insumos importados, utilizados na produção interna. E não há um trabalho consistente, até agora, que permita rever a evolução dessa curva.
Justamente por isso, o ajuste microeconômico do balanço de pagamentos é uma proposta. Mas ainda está longe de ser uma certeza.

Email: lnassif@uol.com.br

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