São Paulo, sexta-feira, 24 de janeiro de 1997
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O politicamente incorreto terno 'assassino'

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Nesses tempos do politicamente correto, em que negros tornam-se afro-brasileiros, e os tradicionais baixinhos viram indivíduos verticalmente prejudicados (pelo menos em inglês), cabe refletir sobre o uso indiscriminado do termo "assassino(a)", provavelmente a palavra mais pronunciada nas cercanias do tribunal onde se julga o homicídio de Daniella Perez.
Trata-se de imemorial preconceito cristão contra muçulmanos, mais especificamente contra uma seita ismaelita xiita (sempre os xiitas, coitados) da Síria, de cuja existência os cristãos tomaram conhecimento no século 12.
Diz a lenda que eles se embriagavam com haxixe, "hashish" em árabe, e, depois, em meio a visões do paraíso, matavam com notável habilidade seus inimigos, principalmente os infiéis. Os "hashishiyn", como eram conhecidos pelos seus próprios compatriotas sírios, viraram assim os "assassinos", na pronúncia aproximada das línguas neolatinas.
Esse relato, contudo, não é digno de crédito. Muito embora, com a proibição do consumo de álcool pelo islamismo, não restassem grandes opções de embriaguez aos muçulmanos, é improvável que os "hashishiyin" fumassem a resina rica em tetrahidrocanabinol (THC) mais pelo menos 241 substâncias ativas antes das batalhas.
O haxixe tem propriedades relaxantes. Segundo especialistas, pode até provocar apatia, estado absolutamente indesejável num embate militar. Cenas de guerra em câmara lenta, só em Hollywood.
Uma vez que os próprios sírios os designavam como consumidores de haxixe, o mais provável é que apenas celebrassem suas vitórias com a supra-referida droga, muito embora possa tratar-se de mera maledicência, dadas as rivalidades histórico-teológicas entre muçulmanos sunitas e xiitas. Dificilmente, porém, os sírios teriam inventado esse nome do nada.
Assim, em respeito à fé islâmica, aos consumidores de cânhamo em geral e às influências do politicamente correto sobre a linguagem, fica a sugestão de substituir o excessivamente sibilante "assassino" pelo vernáculo "homicida" ou, no caso, pelo neologismo "femicida". Convém, porém, esperar o resultado do julgamento, como requerem os mais básicos ditames da civilização.

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