São Paulo, sexta-feira, 24 de janeiro de 1997
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A patota do "Pasquim"

LUÍS NASSIF

Nos anos 70, a mídia era dividida entre a chamada grande imprensa -em geral, refletindo posições do establishment- e a imprensa nanica -crítica do sistema e ao regime militar.
Principalmente o "Pasquim" foi responsável por um tipo de marketing jornalístico criativo e eficiente, e próprio para aqueles tempos bicudos.
Sem condições de influir no geral, o Pasquim se metia em pequenas escaramuças. Identificava inimigos pessoa física -desde autoridades até literatas "alienadas" como Clarice Lispector- e trabalhava a imagem da "patota" -gratificante em um momento em que toda forma de organização era tida como subversiva.
Os julgamentos sempre eram de caráter moral. Todo mundo que pensasse diferente era "mau caráter".
Como o Rio era a chamada caixa de ressonância nacional, o Brasil, um país litorâneo, concentrado no eixo Rio-São Paulo, e a moderna opinião pública mal tinha saída da infância, era uma delícia para os mortais penetrar na intimidade da "patota", curtir suas idiossincrasias, admirar seus porres. Principalmente porque preservavam o bom humor.
Era um marketing bastante eficiente, porque toda discussão política estava ao alcance da compreensão de cada leitor, uma imensa disputa entre "patotas", condimentada com ingredientes românticos: de vez em quando o crítico podia enfrentar uma cana.
O modelo só não prosperou devido à desorganização empresarial dos jornais nanicos e à pressão do governo.
Incorporação
A partir de meados dos anos 80, a grande mídia se moderniza e busca a ampliação do espectro político de seus leitores.
O modelo "gauche" do Pasquim é assimilado e passa a ser um instrumento de marketing da imprensa "burguesa". Essa luta pelo marketing, além disso, faz com que sejam atraídos para o jogo fantástico da mídia humoristas, cineastas, artistas e figuras do show bizz em geral, que se transformam da noite para o dia em "formadores de opinião" -seguindo o modelo de rádio e TV, onde um dito moral vale mais que dez análises.
Nada contra a invasão. Inclusive porque alguns desses novos colunistas têm demonstrado bastante talento na nova profissão.
O que intriga é a maneira encontrada para exercitar a opinião.
O país mudou substancialmente nos últimos anos. Há um sem-número de novas bandeiras de "esquerda", ou de "direita", necessitando de discussões maduras -e de proselitismo, para que se imponham na sociedade.
Mas não é a praia desse pessoal. Longe deles a crítica esclarecedora ou a defesa de temas relevantes. À direita ou à esquerda, o instrumento de ação é o julgamento moral exercitado a torto e a direito.
"Traidores", "patifes", "vendidos aos inimigos", "dinossauros", "chapas brancas", "chapas negras", é todo um instrumental retórico que não comporta nenhum tipo de análise ou de discussão.
Bandeiras
Uma das principais bandeiras de "esquerda" é o orçamento participativo, ou a montagem de organizações não-governamentais ou conselhos participativos, fiscalizando as ações do Estado.
Do lado dos "modernos" há um sem-número de temas de mercado necessitando de aprimoramentos. Combate a oligopólios, ampliação da transparência na ação de empresas e de governos etc.
Poucos desses cronistas morais se aventuram a defender ou a discutir esses temas. Nada. Propostas que interferem na realidade não têm "glamour".
Como as "tchurmas" de hoje, ser "amigo" ou "inimigo" é exercitar slogans. Para fazer parte da turma da "esquerda", quando se referir ao deputado Delfim Netto, deve-se mencionar que foi ministro da ditadura; quando se referir a Roberto Campos, taxá-lo de "entreguista"; quando falar do presidente, denominá-lo de "neoliberal"; quando falar do dr. Barbosa Lima Sobrinho, nem pensar em criticá-lo, ainda que de forma respeitosa. Basta isso para aplacar a ira do clube.
Do lado dito "moderno", sempre que falar em estatal, associá-la a "dinossauros"; sempre que falar de Brizolla, chamá-lo de populista dos anos 50. E assim por diante.
É banalizar demais o conceito de "formador de opinião".

Email: lnassif@uol.com.br

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