São Paulo, sexta-feira, 24 de janeiro de 1997
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Ex-ministro será julgado por deportar judeus

BETINA BERNARDES
DE PARIS

O ex-ministro Maurice Papon, 86, será julgado pela acusação de cumplicidade com crime contra a humanidade, decidiu ontem na França a Corte de Cassação.
Papon é acusado de ter deportado para campos de concentração 1.600 judeus, de 1942 a 1944, quando era secretário-geral da Prefeitura de Gironde, no sul da França.
O processo judicial do caso já dura 15 anos. Começou em 81, quando foram publicados documentos com a assinatura de Papon autorizando a deportação.
Famílias da vítimas entraram na Justiça pedindo o julgamento de Papon, que conseguiu, por intermédio de recursos judiciais, adiá-lo sucessivamente.
Agora, não há mais qualquer recurso possível. Papon comparecerá diante de um júri popular no final do ano, em Gironde. Conforme os procedimentos judiciais franceses, ele deverá ser feito prisioneiro na véspera da audiência.
Após a decisão da Corte de Cassação, Papon divulgou um comunicado, dizendo se tratar de um "escandaloso processo político".
Seu advogado, Jean-Marc Varaut, alegou que Papon não poderia ser julgado por crime contra a humanidade porque ignorava que os judeus deportados seriam assassinados em Auschwitz e que ele jamais foi partidário do nazismo.
"A Corte de Bordeaux disse que Papon conhecia a 'solução final', enquanto todos os historiadores dizem que as pessoas não sabiam", afirmou Varaut.
"É o primeiro processo na história do mundo em que se julgará alguém 55 anos depois sem qualquer sobrevivente, qualquer testemunho", afirma o advogado.
Como secretário-geral em Gironde, Papon era "encarregado de questões judias" e era funcionário de confiança dos nazistas.
Em 43, ainda no cargo, ele se aproximou da Resistência. Alojou em sua casa um judeu combatente e lhe passou informações sobre o dispositivo militar alemão.
Em 47, se tornou prefeito da Córsega e em 49, assumiu o mesmo cargo em Costantine (Argélia).
Em 58, foi nomeado prefeito de polícia de Paris, onde ficou por nove anos. Em 68, Papon foi eleito deputado pelo partido gaulista. Foi o início de uma carreira que o levou a ocupar o cargo de ministro do Orçamento de Raymond Barre.
Para Papon, o julgamento de que será objeto "permite a cada um de acertar suas contas".
"Aos comunistas, acertar as contas com o antigo prefeito de polícia do general De Gaulle; ao lobby esquerdista, com o antigo funcionário subalterno sob a ocupação alemã; a altas instituições estrangeiras, por tentar implicar a França no genocídio; à cúpula do Estado, por eliminar o antigo tesoureiro nacional da UDR", diz.
"Não me prestarei passivamente a tais empreitadas desonrosas, que lembram a triste aventura do capitão Dreyfuss", disse o ex-secretário, que mora em Paris e sofreu em 96 cirurgia cardíaca para a colocação de três pontes de safena.

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