São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O segredo da riqueza dos judeus

GILBERTO DIMENSTEIN

Desde seu lançamento, em 1901, o Prêmio Nobel foi conferido a 700 personalidades -140 deles judeus.
É uma estatística que impressiona: os judeus são, hoje, um grupo de 16 milhões, num planeta habitado por quase 6 bilhões de pessoas. Mas são responsáveis por boa parte das grandes novidades científicas do século.
Um livro prestes a ser divulgado no Reino Unido, preparado por um advogado de Nova York -Michael Shapiro- vai atiçar ainda mais a mística sobre uma suposta inteligência superior dos judeus.
Depois de fazer pesquisa com filósofos, rabinos, escritores e cientistas, Shapiro produziu a lista dos cem mais importantes judeus. Estão alguns dos maiores pensadores e criadores da humanidade. Moldaram o que pensamos e até como nos vestimos.
Existe algum segredo?
*
O livro já começou a levar pancada antes mesmo da publicação. A polêmica começa logo no topo da lista.
O vencedor, em primeiro lugar, é Moisés, libertador dos judeus escravizados do Egito e, mais importante, divulgador dos Dez Mandamentos que orientaram os limites da ação humana civilizada.
Ficou em segundo lugar Jesus. Perdeu porque seu nome teria sido usado e abusado em vão, servindo para massacres, perseguições e intolerância; a Inquisição, por exemplo.
*
A lista tem vários consensos. Karl Marx, Sigmund Freud e Albert Einstein. Estão na companhia de Lévi-Strauss, criador da calça jeans, ou do cineasta Steven Spielberg.
Mais um consenso: Abraão, criador do conceito de monoteísmo, absorvido pelo islamismo, catolicismo e protestantismo. Num dos mais célebres símbolos de rebeldia, ele destruiu estátuas de deuses.
Abraão está junto de dois americanos, Jerry Siegel e Joe Shuster, criadores de um homem com poderes divinos: o Super-Homem.
O próprio Super-Homem, conta Shapiro, seria "judeu", batizado com nome hebraico antes de chegar à Terra. Uma invenção de marketing para atacar o anti-semitismo que reinava nos EUA.
Como um povo tão pequeno consegue gerar tantos super-homens intelectuais? O segredo é que não existe segredo.
*
Por motivos religiosos, o analfabetismo é inexistente entre os judeus. Aos 13 anos, menino é obrigado a subir ao púlpito e ler trecho do livro sagrado (Bar-Mitzvá). Portanto, ele deve saber pelo menos uma língua.
Os judeus são ensinados a reverenciar a rebeldia intelectual -rebeldia sintetizada em Abraão, ao destruir os deuses e inaugurar o monoteísmo.
Nada mais é do que os que os educadores chamam de ensino crítico; contestar sempre as verdades estabelecidas, princípio básico da pedagogia moderna. É um treinamento decisivo para quem deseja mais do que reproduzir, mas inventar.
O bom educador deve ensinar a seus alunos a olhar sempre com uma ponta de desconfiança aquilo em que todos acreditam e dar uma ponta de crédito a idéias ou projetos que todos desmerecem. Ninguém inventa nada se for servil ao conhecimento passado.
*
Nenhum povo foi tão perseguido e humilhado por tanto tempo como os judeus, o que gerou uma série de efeitos colaterais.
Um deles é o valor da educação para a sobrevivência. Podem arrancar suas terras, propriedades, mas não o que está em sua cabeça.
Alfabetização universal, rebeldia e reverência à educação como arma de sobrevivência -são uma base fundamental, mas não explicam os super-homens intelectuais.
Eles tiveram de ser dotados de extraordinária inteligência e, não menos importante, viver no lugar certo na hora certa. Desenvolveram suas idéias nas cidades iluminadas culturalmente, centros de debates e reflexões.
*
Não há nenhum segredo dos judeus escondido na genética ou escolha divina. Só o óbvio: culto à educação. Uma característica de todo e qualquer inovador, seja branco, negro, amarelo, homem ou mulher. Ou de qualquer país que progride.
Apenas ínfima percentagem dos judeus fazem descobertas relevantes. Mas, em situações normais, sem perseguição, não são pobres, conseguem empregos. Em Nova York, um judeu ficou famoso, mereceu reportagem do "The New York Times", simplesmente porque era mendigo.
Também daria reportagem no Brasil mendigo japonês. Alguém já viu nas ruas brasileiras algum mendigo descendente de japonês? Dificilmente vai encontrar miseráveis com sobrenomes italianos, espanhóis, alemães, sírios ou libaneses.
Os imigrantes apostaram na educação de seus filhos, num tempo em que ainda havia escola pública. A falta de escola pública de qualidade impede que a mesma sorte seja hoje estendida aos filhos de migrantes nordestinos.
*
Incrível como o Brasil ainda não descobriu que apenas está tateando o óbvio e não percebe quantos talentos desperdiçamos diariamente. Prova disso é que a professora primária ganhou o título de "professorinha" ou "tia".
*
PS - A idéia é maluca, mas tudo bem. A mais radical para se valorizar o professor no Brasil seria obrigar todos os candidatos a cargos eletivos a dar aulas uma semana numa escola pública de primeiro grau.

Fax: (001-212) 873-1045

E-mail gdimen@aol.com

Texto Anterior: Polícia peruana se posiciona para invasão; Casal oferece criança por US$ 8.000 para tortura; Religioso adquire pornô por bíblia na França; FBI prende falso taxista-terrorista; Tornados deixam 15 feridos nos EUA; EUA acham bomba de 1994 na Flórida
Próximo Texto: INTERNET
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.