São Paulo, segunda-feira, 27 de janeiro de 1997
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Mostra ressuscita 'cadáveres exquisitos'

ALVARO MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O nome virou moda há algumas décadas e tem servido para designar as mais estranhas criações artísticas nos quatro cantos do planeta. Mas os genuínos "cadáveres exquisitos" encontram-se atualmente em Madri, na mostra "Jogos Surrealistas".
Reunidos em número de cem, ocupam o subsolo do Palácio de Villahermosa, sede principal do Museu Thyssen-Bornemisza, abrigo definitivo daquela que originalmente era a maior coleção privada de arte do mundo, pertencente ao barão alemão Hans Heinrich Thyssen-Bornemisza e comprada pelo governo espanhol em 1993.
Jamais haviam sido reunidos tantos "cadáveres" para uma exposição. Além de aparições isoladas em seleções dedicadas ao surrealismo, registrava-se apenas uma pequena mostra sobre esse tipo de obra, organizada em Paris, 1947, pelo escritor André Breton (1896-1966) -aliás, o principal cérebro por trás desses curiosos "frankensteins" gráficos e o grande impulsor do gênero. A mostra comemora também o centenário de nascimento de Breton, ocorrido no último ano.
No Manifesto Surrealista de 1924, Breton havia definido o movimento como "puro automatismo psíquico", ou seja, procurava-se alcançar, pelo maior número de meios possível, "a pura função do pensamento".
"Cadáveres exquisitos" são desenhos coletivos calcados num jogo infantil. O mais comum consistia em dobrar várias vezes uma folha de papel e pedir aos autores que desenhassem sucessivamente em uma das faces visíveis, sem conhecer o que fora feito pelo autor precedente, mas enlaçando sua criação com as linhas do desenho anterior, visíveis na altura da dobra. O próprio nome do gênero foi encontrado num desses jogos, composto apenas de palavras: "cadavre - exquis - boira - le vin - nouveau".
A maioria dos artistas e poetas do movimento tomou parte nos jogos: Picasso, Max Ernst, Miró, Dalí, Tanguy, Man Ray, Masson, e também escritores como Éluard, Aragon e Souppault, além de Breton. As técnicas são variadas -desenho, colagem, lápis de cor, fundo negro e colagens de frases-, e os resultados oscilam do puramente lúdico à grandeza visionária -dependendo do estado de espírito e do empenho do grupo.
Entre os exemplos de acabamento mais feliz estão as colagens do grupo composto pelo pintor Yves Tanguy e sua mulher Jeannette, Breton e sua mulher Jacqueline Lamba (Cinqueux, 1938); e sobretudo a figura de demiurgo surgida dos traços amalgamados do fotógrafo e pintor Man Ray, do escritor Max Morise, de Breton e Tanguy, e que consta como número 17 no pesado catálogo editado especialmente para a mostra.
O curador da mostra, Jean-Jacques Lebel, escritor e historiador de arte, assinala no catálogo: "no final dos anos 20 e princípios dos anos 30, Paris era o coração de um autêntico crisol cultural internacional. Depois dos horrores da Primeira Guerra Mundial e do levante dadaísta antibélico, o momento era propício para reformular o conceito de realidade. Os surrealistas pretendiam nada menos que mudar a vida e transformar o mundo. E, assim, passaram a redefinir a arte e a poesia".
Na exposição, as obras estão agrupadas segundo cronologia e lugar de origem: Paris, rue du Chatêau, 1925 (com Tanguy, André Masson e outros); Paris, 1927 (com Breton, Jacques Prévert, Max Ernst, Man Ray, Masson, Miró, Yves Tanguy, entre outros); Paris, 1929 (Breton, Louis Aragon, o crítico de cinema Georges Sadoul e o poeta Robert Desnos, entre outros); em torno de Valentine Hugo, Paris, 1930-1932 (incluindo Tristan Tzara, sua mulher, a pintora Greta Knutson, e o poeta Paul Éluard); Cadaqués, 1930-1932 (Dalí, Gala, Valentine Hugo, Breton); Bruxelas, 1929-34 (incluindo o pintor René Magritte); Praga, 1934; Barcelona, 1935 (com os pintores Oscar Domínguez e Remedios Varo); Paris, 1934-35 e 1936-38; Cinqueux, 1938; Madri, 1935 (com Federico Garcia Lorca, Alfonso Buñuel etc.); São Domingo, 1941 (com o pintor Wifredo Lam); e Paris, 1948.

Exposição: Jogos Surrealistas - 100 Cadáveres Exquisitos
Onde: Museu Thyssen-Bornemisza (Paseo del Prado, 8, Madri).
Quando: até 23 de fevereiro
Quanto: 750 pesetas

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