São Paulo, quinta-feira, 30 de janeiro de 1997
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Todos contra as enchentes

WAGNER COSTA RIBEIRO

Novamente assistimos nas páginas da Folha a um diálogo de surdos. Prefeitura, governo estadual e até um ex-secretário trocam acusações, isentando-se das responsabilidades pelas enchentes. Porém, ao menos neste verão, estão poupando São Pedro. Até o momento, nenhuma autoridade veio a público dizer que choveu demais, culpando as chuvas pelas cheias em São Paulo. Pode parecer pouco, mas isso indica ao menos uma guinada nos argumentos.
Ao mesmo tempo em que são disponibilizados recursos tecnológicos que permitem prever com maior rapidez a ocorrência de chuvas fortes, características desta estação em São Paulo, medidas antagônicas continuam sendo adotadas pelas partes responsáveis por prevenção e controle de enchentes.
A prefeitura canalizou (e ainda canaliza) córregos, aumentando a velocidade com que a água chega ao rio principal, e o governo do Estado não preparou o Tietê para receber esse imenso volume de água. Numa leitura apressada, pode parecer que a prefeitura fez a sua parte, enquanto o governo estadual poderia ser acusado de não ter tomado as medidas necessárias. Na verdade, tanto um quanto o outro cometeram erros graves.
O que não é mais possível é a ausência de diálogo entre as partes. A população de São Paulo não suporta mais esse enfrentamento, pago com recursos públicos e prejuízos privados.
O modelo adotado, grandes obras para escoar as águas pluviais, não tem respondido a contento. É boa a idéia, divulgada pelo governo do Estado, de conter a água das chuvas nas partes mais elevadas das bacias, retardando a sua chegada às partes mais baixas e evitando a expansão do leito dos rios para além das margens. Porém, como vem sendo proposta, pode ser ampliada.
Por que não incentivar a participação direta dos paulistanos num problema que atinge a todos, ainda que de maneira desigual? São conhecidas experiências em outros países nos quais a contenção das águas pluviais é atribuição dos munícipes.
Cada proprietário de um lote urbano constrói um sistema de captação e eliminação gradual das chuvas. Os sistemas são dimensionados de acordo com a posição geográfica e com o total da área impermeabilizada do lote.
A vantagem dessa alternativa é a repartição da responsabilidade. Todos terão como contribuir para evitar cheias. Por outro lado, ela é uma alternativa a grandes obras.
As despesas para a instalação do sistema de coleta de água pelos proprietários urbanos deveriam ser abatidas do IPTU. Nas áreas ocupadas por habitações subnormais, a intervenção deveria caber ao poder público municipal ou estadual, que, além disso, deveria fiscalizar a implementação e manutenção do sistema de contenção de água pelos proprietários dos lotes e edificações urbanos.
Outra solução simples seria o incentivo à desimpermeabilização dos lotes urbanos. Calçadas, estacionamentos residenciais, de condomínios, de shoppings, para citar alguns exemplos, poderiam ser gramados, de modo a permitir a penetração das chuvas no solo, retardando a saturação do sistema.
Acompanhando essa medida, por que não incentivar o plantio de árvores? Entre outras vantagens, elas absorvem água, ampliando a capacidade do sistema de captar as águas pluviais.
Paralelamente, poderiam ser realizadas plenárias públicas nas regiões da cidade que são alagadas frequentemente. A população que vive nesses lugares teria oportunidade de opinar e propor soluções, além de, encarando de frente o problema, se organizar para conviver com as enchentes nos próximos anos.
Planos de desocupação de áreas de risco, de alojamento para eventuais desabrigados, alternativas de tráfego, entre outras coisas, poderiam ser elaborados em conjunto, o que certamente diminuiria as perdas humanas e materiais.
Enfim, a solução para o problema das enchentes em São Paulo só será encaminhada a bom termo quando se somarem esforços. De nada adianta um prefeito ir canalizando rios sem planejar o destino da água. De outra parte, o aproveitamento dos resíduos retirados do leito de rios é uma alternativa inteligente, mas tímida diante da amplitude dos fatos.
Também já é hora de envolver a população na busca de alternativas. A participação tem sido o mecanismo mais apropriado, como indicou o Habitat 2 no ano passado. Somente com o envolvimento de todos poderemos chegar a soluções de médio prazo, já que o problema é de difícil solução e demanda tempo.

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