São Paulo, quinta-feira, 30 de janeiro de 1997
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Bom para os negócios

OTAVIO FRIAS FILHO

Houve uma época em que os políticos não usavam declarar seu desejo de poder. Vigia, naqueles tempos primitivos, a idéia de que o cargo público era um calvário que não se postulava, para o qual se era "convocado" pela lembrança dos correligionários, pelo clamor das massas, pelo futuro da nação etc.
Foi Collor, o abre-alas do atual regime, quem mudou a etiqueta também neste ponto ao anunciar, para susto dos velhos tecelões da política artesanal, que queria, sim, ser presidente, sempre quis, inclusive adorava o emprego, que ele saboreou até o resto amargo daqueles últimos segundos olhados no relógio.
Admitir volúpia pelo poder passava a ser prova de franqueza, energia e vontade de "realizar". É uma pena que Maluf tenha se tornado mais "requintado", mais hipócrita, justamente quando a política como um todo ia deixando de sê-lo, processo que culmina agora com a aprovação da emenda que permite a reeleição.
Não é que nunca tenha havido escândalos maiores, claro que houve, o que sobretudo escandalizou neste caso foi a normalidade em que transcorreu a coisa, a aceitação tranquila desse bonapartismo inzoneiro, suave e sorridente, que em vez de fechar o Congresso negocia com ele como fariam duas empresas modernas.
Na sua origem histórica, os parlamentos eram câmaras de interesses por meio das quais o Estado espoliava a sociedade; com o tempo, passaram a funcionar em sentido inverso também, não só impondo limites à espoliação tributária, mas pilhando por sua vez o Estado em nome dos grupos mais organizados.
O parlamentar que vende seu voto ao governo, como é notoriamente o caso na maioria de anteontem, negocia em seu próprio favor, de seus amigos e apaniguados, mas também em favor da rede de interesses locais que o sustenta, e esses nexos concêntricos são tanto mais indistinguíveis quanto mais atrasada a região.
Sempre foi difícil separar o que é legítimo do que não é em matéria de lobby parlamentar; a novidade é que essa distinção se tornou desnecessária, como mostrou o governo. O espírito da privatização conquistou também o mundo da política e nada mais normal que ver os deputados atuarem como homens de negócios.
A negociação demorou, foi complicada, porque o contrato era bilionário e amarrava as partes por termo longo, seis anos de prazo de carência, mas ninguém -exceto o tresloucado Maluf- imaginou que o negócio não seria concluído. Os executivos apenas procuravam assegurar-se as condições mais vantajosas na parceria.
Os partidos são paraísos fiscais controlados pelo conglomerado governamental, que detém pelo menos metade das ações em todos, exceto nas pequenas firmas de esquerda, em liquidação pré-falimentar. Diziam que o noticiário político deveria sair na seção de polícia, mas o caderno de economia talvez fosse uma opção mais moderna.

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