São Paulo, sexta-feira, 31 de janeiro de 1997
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'Os homens nunca aceitaram o mundo'

WAGNER ARAUJO
FREE-LANCE PARA A FOLHA EM LONDRES

A estranheza de "Crash", o novo filme do diretor canadense David Cronenberg, 53, não pode ser explicada por palavras. "As mais estranhas e complexas reações foi o que me atraiu no livro", diz Cronenberg. Leia abaixo entrevista com o diretor.
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Folha - Como você lê o livro?
David Cronenberg - J.G. Ballard antecipa a psicologia do próximo século no livro, escrito em 1973. Ele vê a estranha forma como as pessoas respondem as outras, o que aconteceu com o erotismo, o amor e suas interconexões. "Crash" e uma extrapolação do futuro, das coisas que acontecem na sociedade ocidental.
Folha - Conte um pouco a respeito do processo de roteirização.
Cronenberg - O trabalho foi relativamente fácil. Eu pensei que seria complexo como o foi em "Naked Lunch", quando tive que reinventar totalmente o livro sem me afastar do tema da narrativa. O livro de Ballard é muito cinematográfico porque é muito exterior. "Crash" está próximo de "Gêmeos-Mórbida Semelhança".
Folha - Como você vê o filme?
Cronenberg - Esse não é um filme para pessoas que querem ver sexo e carros, embora tenha muito de ambos.
Não é tão simples assim. Carros são a tecnologia pela qual os personagens estão reinventando a existência humana.
Ballard acredita que os humanos não se adaptaram ao ambiente humano. Os homens nunca aceitaram o mundo como ele é, e nós o temos reinventado, mas nosso comportamento é parecido com o dos homens das cavernas.
Folha - "Crash" é obsceno?
Cronenberg - Eu tentei sugerir grande sutileza na interação entre os personagens, e penso que isso é o que salva o filme da obscenidade. Com toda a pressão dos politicamente corretos é quase impossível tratar sexualidade inteligentemente.
As pessoas são frequentemente tocadas pelo erotismo no filme porque eles pensam que sexualidade não é saudável. Não há nada pornográfico no meu filme.
O que eu tentei mostrar foi a participação dos personagens em uma fantasia sexual, e não um semi-documentário do encontro sexual entre mamíferos.
Folha - O carro ganha outra dimensão nesse filme?
Cronenberg - Os carros são usados muito fisicamente, sexualmente, no filme, como uma utilidade muito além da juvenil de pegar a namorada e ir fazer amor num local afastado, mas para fazer amor com ela quando ela está em um outro carro, para ter um orgasmo enquanto estiver colidindo com o carro. Essa é a essência de "Crash".

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