São Paulo, sexta-feira, 31 de janeiro de 1997
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A ressaca da vitória

JOSÉ SARNEY

O dia seguinte, a ressaca, a sonolência e a dor de cabeça acompanham as vitórias.
É mais difícil administrar a vitória do que a derrota. Esta, em geral, só tem um responsável; a vitória tem muitos e, portanto, muitas cobranças.
Mas a derrota é acompanhada de dois sentimentos: a conformação e a rendição ou a revolta e o desejo de revanche. Ambos perigosos.
O primeiro liquida com a resistência, mas desperta outros espaços de inconformação e a revolta e a revanche podem ficar escravas do ódio e da insensatez.
Em política, como em tudo na vida, não se pode fechar espaços às inconformações. Ninguém descobriu até hoje a fórmula de silenciar as resistências. Elas, como o baobá do Pequeno Príncipe, renascem e afloram.
Por isso são tão necessárias aos que governam as virtudes da paciência e da tolerância. O poder tem uma força que permite a quem o exerce ser magnânimo e generoso. Nenhuma grandeza tem o exercício do poder em ser forte com os fracos ou com os vencidos.
A emenda da reeleição passou na Câmara. Mas ainda há longos caminhos a percorrer. O caminho de sua aprovação final e o caminho de sua finalidade que é a própria reeleição.
Alexis de Tocqueville, na sua obra clássica, que tem mais de cem anos, sobre "A Democracia na América", já afirmava que a grande vulnerabilidade da reeleição era que os governantes já assumiam os seus mandatos pensando nela e transformavam os seus governos em instrumento desse desejo.
Ele se alonga em considerações que terminam na conclusão de que o maior prejudicado com esse processo é o próprio presidente.
Por isso acho que é a hora de darmos um tratamento alto ao tema, para que ele seja um fruto do consenso geral do país e não uma simples vitória de facção.
Não vejo ninguém com o desejo de combater o presidente Fernando Henrique. Ao contrário, ele é cercado de uma simpatia popular, de uma compreensão da classe política que lhe tem assegurado a governabilidade, de um apoio poderoso da mídia e de forte coligação política.
Não precisa, portanto, parecer o que ele não é. Acho ser dever de consciência dizer ao presidente que ele não pode submeter-se às pressões de supostas lealdades e desviar-se do caminho e entrar no jogo duro do vale-tudo.
Nada de retaliações, de pensar em represálias: serenidade, visão da mais alta magistratura que exerce e ouvir a voz estridente da história que sempre apontou esse caminho como um mau caminho.
O padre Vieira observava que os que governam deviam ter dois ouvidos: um para ouvir o presente e outro para ouvir o ausente. O ausente, neste caso, são aqueles que acreditam nas virtudes de equilíbrio do presidente da República.

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