São Paulo, quinta-feira, 2 de outubro de 1997
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Bomba de presente

JANIO DE FREITAS

A novidade apresentada pelo governo como um fundo para complementar a aposentadoria, mediante contribuições dos próprios interessados, merece muita cautela dos assalariados e discussões amplas sobre as regras divulgadas.
Para começar, o tal Fundo de Aposentadoria Programada Individual, ou Fapi, não é um fundo de aposentadoria. É um fundo de investimento. E nisso está seu primeiro motivo de ressalva: como em todo fundo de investimento, o depositante tanto pode ter rendimentos, na ocasião da retirada, como ter prejuízo até de tudo o que aplicou ao longo dos anos.
Esse desastre não seria absurdo, nem ao menos novidade, no nosso sistema financeiro. Por isso mesmo, é absurdo apresentar-se como "aposentaria complementar" o Fapi que não proporciona garantia alguma ao depositante. Mas aposentadoria e o que se relacione com ela, sob a denominação de seguridade, são precisamente garantias para a vida quando cumprida a etapa produtiva (ou dita produtiva, porque muitos são políticos profissionais).
Tão grave quanto o risco de investir parte do salário e ao fim de dez ou mais anos ficar no ora veja, que Proer é só para banqueiros, é o risco de alimentar negociatas. Pelas regras da generosidade governamental, o depositante do Fapi depende da seriedade da empresa financeira que gere o seu fundo e da seriedade da empresa para a qual trabalha ou do seu grupo de aplicação. Em se tratando do Brasil tão moderno, é depender demais de seriedades demais.
Exemplo rápido: o Fapi autoriza a administradora financeira a destinar à empresa dos depositantes, em compra de ações, até 10% do respectivo fundo. A margem de negociatas entre a administradora do fundo e a empresa em que trabalham os depositantes é monstruosa. Em todos os sentidos da palavra.
O presente do governo aos trabalhadores está bem à altura do INSS e da reforma da previdência.
Cordialmente
O senador Antonio Carlos Magalhães é velho apaixonado pelos jornalistas. Lê todos e se, por qualquer motivo, não tem algum por perto para ouvi-lo -melhor, para publicá-lo- o senador escreve a outro. No "Jornal do Brasil" de ontem, o senador missivista ocupou a meia página da crônica semanal de Artur Xexéo, em resposta a uma nota.
Recebi tratamento muito melhor no tamanho e ainda mais no teor, pelo que agradeço. Mas são só por isso transcrevo quase tudo, senão porque há contestação ao artiguinho de ontem. Com a palavra, o senador:
"Apesar do respeito que tenho por sua pessoa, por seu modo de vida e sua honestidade pessoal, julgo-o cheio de preconceitos e -perdoe que lhe afirme- atualmente um tanto desinformado em virtude de ficar preso a suas fontes de 40 anos atrás.(...) Já poderia ter apresentado algumas restrições, até retificações, mas não o fiz como não o faço agora. Entretanto, quando sem querer o prezado jornalista estimula a corrupção sendo, como é, um defensor da seriedade, causa-me espanto. Qualquer defesa direta ou indireta que se faça a Nilo Coelho é um prêmio aos ladrões. E se torna mais grave quando se informa ao leitor, erroneamente, que Nilo foi julgado inocente pelo STF. Nunca foi julgado pelo STF pois, feliz ou infelizmente, quem julga os governadores é o STJ.
"Não queira, portanto, inferir de uma atuação que estou tendo, atendendo ao clamor público, para eliminar privilégios de todos, inclusive magistrados, como uma desavença que nunca tive com o eminente ministro José Celso de Mello. Se não consigo agradar-lhe, pelo menos quando eu estiver certo, não condene. Não desejo publicação. O que quero é que um homem com o seu passado continue, no presente, a ter o respeito dos seus leitores. Cordialmente, o velho admirador Antonio Carlos Magalhães."
Se for rancoroso e vingativo como certas pessoas, Nilo Coelho tem motivos de queixa contra mim ainda do tempo em que tinha como aliado um velho admirador meu. Cujo gosto por desafios leva-me a retribuir-lhe as palavras gentis com uma atenção por seu gosto: desafio-o a encontrar, em toda a minha vida de jornalista, uma só palavra de defesa, "direta ou indireta", de Nilo Coelho.
Embora a quase irrelevância desse ponto, quanto à sigla contestada dou como possível, mas não ainda como certo, que Nilo Coelho não tenha passado por processo no STF.
Grato também pelo interesse por meu presente no conceito dos leitores, espero tranquilizar o senador afiançando-lhe que meus verdadeiros admiradores, por poucos que sejam, não me imaginam infalível, mas me sabem sempre esforçado em lhes dar as informações menos inseguras sobre o que talvez lhes interesse de fato -os benefícios que parlamentares se concedem e negam aos que trabalham, a redução recordista de verbas sociais pelo atual governo, os motivos que impediram a tão necessária CPI dos Bancos, coisas assim, nem sempre fáceis de saber e de publicar. Encerro também cordialmente.

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