São Paulo, quinta-feira, 2 de outubro de 1997
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GOVERNO E SANGUE ASSASSINO

Em 1985, o governo francês negligenciou o controle da qualidade do sangue doado para transfusões. Resultado: mais de 1.200 hemofílicos contraíram Aids. Consequência: escândalo nacional e cadeia de segurança máxima para o diretor nacional do serviço de transfusões. Dois ministros e o então primeiro-ministro francês foram indiciados e até hoje estão sob investigação.
No Brasil, médicos vêm denunciando falhas na inspeção dos bancos de sangue do país, encargo da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Consequência por ora visível: guerra política no ministério, acusações de conspiração e intrigas. Enquanto isso, o médico Dalton Chamone, especialista reputado na área, diz que, desde 1995, 434 pessoas podem ter sido contaminadas pelo vírus da Aids em transfusões de sangue e suspeita que outras milhares podem ter sido infectadas também pelo vírus da hepatite C ou pela bactéria da sífilis, por exemplo.
Se os dados sobre a Aids estão corretos, a inépcia na fiscalização pode matar, desde já, dez vezes mais do que a hemodiálise assassina de Caruaru. Essa conta funesta não inclui as mortes ou danos incapacitantes causados pelas outras doenças.
Diante desse quadro, o governo federal deve imediatamente investigar as denúncias e agir. A hipótese de calúnia parece ter sido descartada pelo próprio secretário-executivo do Ministério da Saúde, Barjas Negri, que admitiu a distribuição de sangue contaminado no país. Perder tempo no jogo de retaliações que ora se vê no ministério talvez venha a significar cumplicidade com mais mortes.
Ministros do Japão, Portugal, Alemanha e França foram processados ou tiveram suas carreiras destruídas por causa da negligência com o sangue doado nos anos 80. Nos EUA, contaminados por Aids em transfusões viram personagens nacionais de TV -lá, o risco de infecção é no máximo de 1 caso em 100 mil pacientes que receberam sangue.
O Brasil não tem recursos nem para tratar os hoje doentes. As políticas públicas de prevenção estão praticamente na idade da pedra -falta algo tão elementar como vacinas. Como se não bastasse esse quadro deprimente, agora ainda é possível que o país esteja fabricando epidemias com sangue sujo. É revoltante.

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