São Paulo, domingo, 5 de outubro de 1997
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Isenções beneficiam de fábricas de refrigerante a universidades

LUÍS COSTA PINTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Pléc!; tchiiii; fsssst... Não importa o ruído produzido: ao abrir uma lata ou garrafa de refrigerante -de qualquer marca- você ajuda um negócio que neste ano receberá um empurrãozinho dos cofres públicos calculado em R$ 500 milhões. Tudo legal e a título de isenções fiscais. Só a Coca-Cola, maior fabricante mundial de refrigerantes, deixará de arrecadar R$ 300 milhões em tributos.
"Boa viagem. Serei candidato a governador pelo PFL. Com seu voto", disse o ex-deputado Agripino Lima a Durvalino Ribeiro, prefeito da cidade de Iacanga (395 km a noroeste de SP) e delegado do partido na convenção estadual que em fevereiro escolherá seu candidato ao governo do Estado. A despedida deu-se às 14h55 do dia 18 de setembro na porta do jato Citation 2 prefixo PT-ZLX, que deixava Presidente Prudente rumo a Bauru.
O prefeito não sabia, mas entrava a bordo de uma ilegalidade. Comprado com dinheiro da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste), do ex-deputado, o jatinho não pagou impostos para virar instrumento de sedução política. As 72 universidades privadas existentes no país são isentas de tributos federais.
As isenções fiscais que ajudam a tornar compensadores e lucrativos empreendimentos como fábricas de refrigerantes e universidades privadas são um buraco negro no universo da arrecadação federal de impostos. Só este ano desaparecerão ali R$ 15,3 bilhões. No ano que vem, a renúncia fiscal subirá para R$ 17,2 bilhões, ou 15% de toda a arrecadação da União.
Isenções estaduais e municipais, como os contratos feitos nos últimos dois anos entre os Estados da Bahia, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio e Paraná e as montadoras estrangeiras de automóveis, sugam outros R$ 9 bilhões.
"Conceder isenções e benefícios fiscais é um instrumento de planejamento industrial de muitos países. Mas isto foi desvirtuado. Quando todos estão isentos, ninguém se beneficia e a sociedade paga. É um crime contra o cidadão", protesta o economista Celso Furtado, idealizador do Finor (Fundo de Investimentos do Nordeste), administrado pela Sudene.
Os "diretores" da Vale
Há 35 anos a Sudene concede isenção ou redução de 50% do Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica às indústrias que se instalam no Nordeste após ter pedidos de financiamento aprovados pelo Finor. Nesse período, 1.969 empresas receberam benefícios fiscais na região, mas muitas delas fecharam depois de encerrado o prazo de 15 anos de isenção de IRPJ.
"Esses projetos geraram 400 mil empregos no Nordeste. Na década de 60 só produzíamos açúcar, tecidos e artefatos de couro. Agora temos petroquímica, metalúrgicas, indústrias químicas, tecelagens modernas e até montadoras. O Finor está moralizado e é um mecanismo fundamental de desenvolvimento para o país", defende o general Nílton Rodrigues, superintendente da Sudene.
As isenções do sistema Finor já não saciam a fome de vantagens das indústrias que desejam ir para a região. A Companhia Vale do Rio Doce, há cinco meses uma empresa privada, quer instalar uma unidade de redução de minério de ferro no Nordeste. Já procurou os benefícios fiscais da Sudene.
Transformado em pelotas, seu minério de ferro será destinado ao mercado externo. Também recebeu promessas de isenções fiscais dos Estados de Pernambuco, Ceará e Sergipe. Fez uma exigência: o gás natural, combustível que usará na nova unidade industrial, deve ser 40% mais barato que o preço cobrado pela única fornecedora do produto no Brasil, a Petrobrás. O pedido gerou um corre-corre nos governos.
É uma corrida injusta para o cidadão cearense, sergipano ou pernambucano que paga seus impostos em dia. A Petrobrás tem uma usina de asfalto em Fortaleza (CE), a Asfor, e paga R$ 8 milhões por ano de royalties (ressarcimento por uso de recursos naturais) ao governo de Sergipe por explorar ali petróleo e gás natural.
Os cearenses topam isentar a empresa de impostos estaduais pagos pela Asfor, e os sergipanos devem reduzir em 70% os royalties anuais da Petrobrás caso a empresa reduza em 40% o preço de seu gás para viabilizar o empreendimento da Vale do Rio Doce.
Sem usina de asfalto ou jazidas de petróleo e gás natural, Pernambuco promove uma engenharia financeira em suas contas para oferecer à estatal de Petróleo redução de impostos que a levem a baratear o gás para a Vale do Rio Doce.
"O Benjamin Steinbruch, dono da Vale do Rio Doce, está cumprindo excelentemente bem o seu papel de empresário. Busca vantagens para sua empresa. O gás é caro no Brasil e, para tornar viável a unidade de redução de minério, ele precisa barateá-lo. A loucura fiscal instalada no país não nos permite planejar o crescimento industrial, e a guerra de isenções transformou três governadores de Estado em uma espécie de diretores da Vale. Estão todos em busca de benefícios para ela", diz o secretário de Indústria e Comércio de Pernambuco, Sérgio Guerra.
Sudeste tem mais isenções
Engana-se quem pensa que o Nordeste é a região mais beneficiada com as isenções fiscais. Isto é um mito. Exatos 42,7% dos R$ 15,3 bilhões que o governo federal deixará de arrecadar este ano por conta das renúncias fiscais ficarão na região Sudeste (SP, RJ, MG e ES). São isenções ou reduções de IRPJ (Imposto de Renda sobre a Pessoa Jurídica), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), II (Imposto de Importação) e até mesmo IRPF (Imposto de Renda sobre a Pessoa Física).
A região Norte, onde está localizada a Zona Franca de Manaus, possui um programa semelhante ao Finor. O Finam (Fundo de Investimento na Amazônia), responde por 26,5% das isenções federais. O Nordeste, com participação de 13,7%, está em terceiro lugar nessa corrida um tanto sádica para o bolso do contribuinte.
Isenta-se de tudo, um pouco. As universidades privadas, até recentemente, precisavam ser declaradas entidades filantrópicas -ou seja, sem fins lucrativos- para poder funcionar.
A Unoeste, de Agripino Lima, e a Universidade de Marília (Unimar, de São Paulo) cobram R$ 1.300 de mensalidade dos seus alunos do curso de Medicina e entre R$ 150 e R$ 300 dos estudantes de Direito ou Administração.
Teoricamente, elas não poderiam dar lucro. Mas dão. Com o dinheiro que sobra depois de cada exercício fiscal, o patrimônio da instituição cresce com a construção de prédios e a aquisição de aviões e automóveis importados, por exemplo.
"Estou há 35 anos neste negócio e acho errado que uma universidade como a minha precise se declarar entidade filantrópica para funcionar. Bem gerida, uma universidade dá lucros. Quero pagar impostos, mas a lei hoje não me permite. Vou solicitar a mudança da figura jurídica da Unimar para o ano de 1998 e passarei a pagar impostos", afirma o economista Márcio Mesquita, dono da Universidade de Marília.
O desejo de pagar impostos não é bondade de Mesquita. Em 19 de agosto deste ano, o Ministério da Educação baixou decreto dizendo que universidades que desejassem permanecer como entidades filantrópicas deveriam comprovar que gastam 66% de seu faturamento com pagamento de salários e que não dão lucro. As demais precisariam pagar impostos.
Fiscais da Receita Federal descobriram que a isenção concedida à Unimar propiciou a Mesquita comprar um jato Citation 2, um BMW, duas picapes S10 importadas e uma frota de vans do modelo Besta. "O avião tem uso acadêmico: carrega professores da pós-graduação. As picapes são usadas nas nossas fazendas experimentais. As vans são para transporte interno da universidade. O BMW sou eu quem usa", justifica-se Mesquita.
Papel de imprensa
Os refrigerantes fabricados no Brasil têm isenção fiscal por causa de uma lei de 1975, época do regime militar, quando se concedeu benefícios fiscais às fábricas de "bebidas gaseificadas à base de cola (matéria-prima da Coca-Cola e da Pepsi)". Os fabricantes de guaranás, laranjadas e sodas foram à luta e pediram para estender esta isenção a todas as fábricas de bebidas gaseificadas que usam nas suas fórmulas "extratos de sucos naturais". Conseguiram.
A portaria que concede essa isenção passou a ser chamada de Lei do Suco. Hoje essas indústrias não pagam IRPJ, nem IPI, nem a contribuição social de 8% sobre o lucro de suas fábricas de xarope.
Até mesmo o papel-jornal no qual está impressa esta reportagem tem isenção fiscal. No Brasil, a importação ou a fabricação de papel de imprensa são atividades isentas de impostos. Apesar de esse ser um tema polêmico no Congresso, onde um grupo de deputados liderado pelo ex-ministro Roberto Cardoso Alves (morto em 95) ter tentado derrubar tais isenções, a renúncia fiscal sobre papel de imprensa é encarada pelo secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, como um dos poucos casos plenamente justificáveis para a prática do benefício.
"Se criarmos uma alíquota de impostos sobre o papel de imprensa, corremos o risco de, futuramente, um presidente de viés totalitário elevar assoberbadamente essa alíquota e tornar inviável a fabricação ou importação de papel. Em consequência, se restringiria a circulação de idéias e se limitaria a liberdade de imprensa, causando danos à democracia", pondera.

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