São Paulo, domingo, 5 de outubro de 1997
Texto Anterior | Índice

"Acertei no milhar"

MARCELO MANSFIELD
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Doutor de anedota e de champanhota", Jorge Veiga foi o grande caricaturista do samba. Pegando carona no estilo de Moreira da Silva, fez do samba de breque a mais carioca das brincadeiras musicais.
Mas ao contrário do Kid Moringueira, que preferia circular pela velha Lapa carioca cobrando "aquela grana" de seu "Amigo Urso", Jorge Veiga circulava na alta roda, no "Café Society". As letras de suas músicas falavam em Terezas (Souza Campos) e Dolores (Guinle), na Coluna do Ibrahim, em viagens de avião azul pela América do Sul e em morar no Grande Hotel.
Malandro com pinta de grã-fino, Jorge Veiga ensinava o brasileiro a flertar, embora em algumas letras a coisa pegasse fogo a ponto de, se fosse hoje, poderem ser consideradas "assédio sexual". Seus "musos" viviam de pequenos golpes e, ainda assim, circulavam na companhia de Jacinto de Thormes.
Jorge Veiga sonhava alto, a ponto de querer trocar o nome da sua Etelvina por Madame Pompadour, comprar títulos de nobreza e jantar de "black tie" em locais onde pudesse gastar seu francês, que se resumia a "au chantez" e "muito merci all right". É mole?
E as gírias? "Dom Jorge Veiga", como se autoproclamava no final de "Acertei no Milhar", adorava uma gíria: "Charlar", "Isso é pra mim de colher", "Seu municipa", "Arapuca", "Nerusca", "Vago mestre".
Pobre e penetra, Jorge Veiga mostrou que tanto o "high society" como o pessoal da "gafieira" podia ser enrolado pela sua "lábia de breque". Embora fosse seu sonho de consumo, o rico para ele era ridículo, e, mesmo desbundando a "plebe rude", era nela que aprendera tudo que sabia.
Mesmo que os fãs dos bumbuns gordinhos que fazem o samba de hoje desconheçam quem foi Jorge Veiga, saibam que em "Noiva da Gafieira" ele cantava: "Fiquem sabendo que sou moço de família e sou rapaz direito, nunca faltei com o respeito".
E não mesmo. Ele não tiraria a roupa pra vender mais discos nem jogaria meia dúzia de palavrões nas suas letras pra chamar a atenção, e tratava a companheira sempre de "minha noiva", mesmo que ela fosse tão malandra quanto ele.
Jorge Veiga é da "realeza do samba". A maior prova disso é como o caricaturista Nassara o desenhou: cabelo brilhantinado, smoking e black tie... E uma cara de sacana, que "vou te contá".

Texto Anterior: Multishow exibe Free Jazz ao vivo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.