São Paulo, segunda-feira, 6 de outubro de 1997
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Leia a íntegra do pronunciamento do papa no Aterro do Flamengo:
"Caríssimos irmãos e irmãs, sinto-me feliz de estar convosco pela segunda vez, nesta vossa cidade maravilhosa, para celebrar a eucaristia do 2º Encontro Mundial com as Famílias. Que cada família seja dom e compromisso, esperança da humanidade. Confessemos a misericórdia infinita do Senhor e peçamos perdão por todos os pecados, sobretudo pelos cometidos contra o amor e a fidelidade. Confessemos os nossos pecados a Deus.
Deus todo-poderoso tenha compaixão de nós, perdoe os nossos pecados e nos conduza à vida eterna.
Louvado seja nosso senhor Jesus Cristo!
'O Senhor nos bendiga por toda a nossa vida' (Sal. Resp.). Dou graças a Deus por ter permitido encontrar-me novamente convosco, famílias de todo o mundo, para reafirmar solenemente que vós sois a 'esperança da humanidade'!
O 1º Encontro Mundial com as Famílias teve lugar em Roma em 1994. O seguinte se conclui hoje no Rio de Janeiro. Agradeço cordialmente o convite do sr. cardeal d. Eugenio de Araújo Sales, como agradeço a todos os bispos e às autoridades brasileiras que colaboraram para o sucesso deste grande evento. Agradeço também, de coração, ao cardeal Lopez Trujillo e a todos os seus colaboradores do Pontifício Conselho para a Família. Aqui viemos de vários países e de várias igrejas, não só do Brasil e da América Latina, mas de todos os continentes para elevarmos, todos juntos, a Deus esta prece: 'O Senhor nos bendiga em toda a nossa vida'!
Com efeito, a família é esta particular e, ao mesmo tempo, fundamental comunidade de amor e de vida, sobre a qual se apóiam todas as demais comunidades e sociedades. Por isso, invocando as bênçãos do altíssimo pelas famílias, rezamos juntos por todas aquelas grandes sociedades, que aqui representamos. Rezamos pelo futuro das nações e dos Estados, como também pelo futuro da igreja e do mundo.
De fato, através da família, toda a existência humana é orientada para o futuro. Nela, o homem vem ao mundo, cresce e amadurece. Nela, ele se torna um cidadão sempre mais maduro do seu país e um membro da igreja sempre mais consciente. A família é também o primeiro e fundamental ambiente, onde cada homem distingue e realiza a própria vocação humana e cristã. A família, enfim, é uma comunidade insubstituível por qualquer outra. É o que se entrevê nas leituras da liturgia de hoje.
Diante do messias se apresentam os representantes da ortodoxia judaica, os fariseus, a perguntar se é lícito o marido repudiar a mulher. Cristo, por sua vez, pergunta o que é que Moisés ordenou-lhes; eles respondem que Moisés lhes tinha permitido escrever uma certidão de divórcio, e despedi-la. Mas Cristo lhes diz: 'Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu este mandamento. No entanto, desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe!' (Mc 10, 5-9).
Cristo refere-se ao início. Este início está contido no 'Livro do Gênesis', onde encontramos a descrição da criação do homem. Conforme lemos no primeiro capítulo desse livro, Deus fez o homem à própria imagem e semelhança, criou o homem e a mulher (cf. Gn 1,27) e disse: 'Frutificai e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a' (Gn 1,28). Conforme a segunda descrição da criação, que a primeira leitura da liturgia de hoje propõe, a mulher foi criada do homem. Assim refere a escritura: "Então o Senhor Deus mandou ao homem um profundo sono; e, enquanto ele dormia, tomou-lhe uma costela e fechou com carne o seu lugar. E, da costela que tinha tomado do homem, o Senhor fez uma mulher e levou-a para junto do homem. 'Eis agora aqui -disse o homem- o osso de meus ossos e a carne de minha carne; ela se chamará mulher, porque foi tomada do homem'. Por isso o homem deixa seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher; e já não são mais que uma só carne'. (Gn 2,21-24).
A linguagem utiliza naturalmente as categorias antropológicas do ambiente antigo, mas é de uma extraordinária profundidade: exprime, de modo realmente espetacular, as verdades essenciais. Tudo o que foi descoberto posteriormente pela reflexão humana e pelo conhecimento científico, nada mais fez do que explicitar aquilo que, ali na raiz, já se achava.
O 'Livro do Gênesis' mostra, antes de mais nada, a dimensão cósmica da criação. O aparecimento do homem dá-se no imenso horizonte da criação de todo o cosmo: não é por acaso que isso tem lugar no último dia da criação do mundo. O homem entra na obra do criador no momento em que se acharam predispostas todas as condições para ele poder existir. O homem é uma das criaturas visíveis; ao mesmo tempo, porém, somente dele se afirma na Sagrada Escritura, que foi feito 'à imagem e semelhança de Deus'. Esta união admirável do corpo e do espírito constitui uma inovação decisiva no processo da criação. Com o ser humano, toda a magnificência da criação visível abre-se à dimensão do espiritual. A inteligência e a vontade, o conhecimento e o amor -tudo isso entra no cosmo visível, no momento mesmo da criação do homem. Entra precisamente manifestando, desde o início, a compenetração da vida corporal com a espiritual. Assim o homem deixa seu pai e sua mãe e une-se à sua mulher, tornando-se uma só carne; mas esta união conjugal enraíza-se contemporaneamente no conhecimento e no amor, ou seja, na dimensão espiritual.
O 'Livro do Gênesis' fala disto tudo com uma linguagem que lhe é própria, que é, ao mesmo tempo, maravilhosamente simples e completa. O homem e a mulher, chamados a viver no processo da criação cósmica, se apresentam no limiar da própria vocação, trazendo em si próprios a capacidade de procriar em colaboração com Deus, que diretamente cria a alma de cada novo ser humano. Através do conhecimento recíproco e do amor, e ao mesmo tempo pela união corporal, chamarão à existência seres semelhantes a eles -e, tal como eles, feitos 'à imagem e semelhança de Deus'. Darão a vida aos próprios filhos, como eles próprios a receberam dos seus pais. Esta é a verdade, ao mesmo tempo, simples e grande sobre a família, como era surge das páginas do 'Livro do Gênesis' e do Evangelho: no plano de Deus, o matrimônio -o matrimônio indissolúvel- é o fundamento de uma família sadia e responsável.
Com traços breves, mas incisivos, Cristo descreve no Evangelho o desígnio original de Deus criador, mas este relato fará também a 'Carta aos Hebreus', proclamado na segunda leitura: 'Deus, origem e fim de todas as coisas, queria conduzir muitos filhos para a sua glória. Convinha, pois, que tornasse perfeito pelo sofrimento aquele que os devia levar à salvação. Na verdade, Jesus que santifica e os homens que são santificados são todos da mesma descendência' (Hb 2,10-11). A criação do homem tem o seu fundamento no eterno verbo de Deus. Tudo o que Deus chamou à existência, fê-lo pela ação deste verbo, o eterno filho, por meio do qual tudo foi criado. Também o homem foi criado através do verbo, e foi criado como homem e mulher. A aliança conjugal tem sua origem no verbo eterno de Deus. Nele, foi criada a família. Nele, a família é eternamente pensada por Deus, imaginada e enraizada. Por Cristo, ela adquire seu caráter sacramental, sua santificação.
O texto da 'Carta aos Hebreus' lembra que a santificação do matrimônio, como a de qualquer outra realidade humana, foi realizada por Cristo com o preço de sua paixão e cruz. Ele se manifesta aqui como o novo Adão. Se é certo que, na ordem da natureza, todos somos originários de Adão, na ordem da graça e da santificação todos procedemos de Cristo. A santificação da família tem a sua fonte no caráter sacramental do matrimônio.
Aquele que santifica -isto é, Cristo- e todos aqueles que devem ser santificados -vós, pais e mães; vós famílias- vos apresentais juntos diante de Deus-Pai com esta súplica ardente, que ele abençoe o que realizou em vós mediante o sacramento do matrimônio. E nesta prece estão todos os casais e todas as famílias que vivem sobre a face da Terra. Deus, o único criador do universo é, com efeito, a fonte da vida e da santidade.
Pais e famílias do mundo inteiro, deixai que vô-lo diga: Deus vos chama à santidade! Ele mesmo escolheu-nos 'por Jesus Cristo, antes da criação do mundo -nos diz São Paulo- para que sejamos santos na sua presença' (Ef 1,4). Ele vos ama loucamente, ele deseja a vossa felicidade, mas quer que saibais conjugar sempre a fidelidade com a felicidade, pois não pode haver uma sem a outra. Não deixeis que a mentalidade hedonista, a ambição e o egoísmo entrem nos vossos lares. Sedes generosos com Deus. Não poderia deixar de recordar, mais uma vez, que a família está ao 'serviço da igreja e da sociedade no seu ser e agir, enquanto comunidade íntima de vida e de amor' (FC, 50). A mútua doação abençoada por Deus, perpassada de fé, esperança e caridade, permitirá alcançar a perfeição da mútua santificação de cada um dos esposos. Servirá, em outras palavras, como núcleo santificador da própria família, e da expansão da obra de evangelização de todo o lar cristão.
Queridos irmãos e irmãs, que grande tarefa tendes por diante! Sede portadores de paz e de alegria no seio do lar; a graça eleva e aperfeiçoa o amor e com ele vos concede as virtudes familiares indispensáveis da humildade, do espírito de serviço e de sacrifício, do afeto paterno e filial, do respeito e da mútua compreensão. E, como o bem é por si mesmo difusivo, faço votos também de que a vossa adesão à pastoral familiar seja, na medida das vossas possibilidades, um incentivo a irradiar generosamente o dom que está em vós, primeiramente entre os filhos, depois, àqueles casais -talvez parentes e amigos- que estão afastados de Deus ou passam por momentos de incompreensão ou de desconfiança. Neste caminho, em direção ao jubileu do ano 2000, convido todos os que me ouvem a este revigoramento da fé e do testemunho de cristãos, a fim de que, com a graça de Deus, haja uma verdadeira conversão e renovamento pessoal no seio das famílias de todo o mundo (cf. TMA, 42). Que o espírito da sagrada família de Nazaré reine em todos os lares cristãos!
Famílias do Brasil, famílias da América Latina, famílias do mundo inteiro, o papa, a igreja, apóiam-se em vós. Tende confiança: Deus está conosco!
Credes em Deus-Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra. Crede em seu único filho, nosso senhor, que nasceu da Virgem Maria, padeceu e foi sepultado, ressuscitou dos mortos e subiu aos céus.
Credes no Espírito Santo, na santa Igreja Católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição do mortos, na vida eterna. Esta é a nossa fé, que da igreja recebemos e sinceramente professamos em Cristo Jesus, nosso senhor.
Irmãos e irmãs, a celebração do 2º Encontro Mundial com as Famílias oferece, mais uma vez, a oportunidade de elevar ao Deus de nossos pais o agradecimento pela vida familiar na igreja; pelo verdadeiro amor vivido na família; pela presença de Cristo entre pais e filhos."

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