São Paulo, segunda-feira, 6 de outubro de 1997
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Ídolos mortos contam a história do rock and roll

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Suicídios, quedas de avião, afogamentos, overdose. Histórias de morte, ou sua metáfora estetizada, pontuam a história do rock and roll.
Dois pioneiros da guitarra marcaram bem cedo a passagem para o além. Na Inglaterra, um acidente de carro acabou com Eddie Cochran em 17 de abril de 1960.
Cochran tinha só 21 anos e já havia escrito um hino do tédio adolescente, "Summertime Blues" (tristeza de verão, para a qual não existe cura).
Buddy Holly ("That'll be the Day") foi embora aos 22, em 1959, vítima de um desastre de avião nos EUA. Dizem alguns biógrafos que ele sabia que ia morrer cedo, o que só acrescenta mistério à breve biografia desse visionário.
Por ironia, o maior morto de todos os tempos no rock está vivo. É Paul McCartney, baixista dos Beatles, alvo de um boato colossal, na virada de 1969/70. Época de simbologias herméticas, recados subliminares, milhões de agulhas entortadas mundo afora por jovens que tocavam seus vinis no sentido contrário, em busca de alguma mensagem sobre o paradeiro do ídolo.
Tudo em vão. Paul estava sumido, mas não morto (fisicamente, porque sua morte musical é outra história).
A vida e o fim de Elvis Presley (1935-1977) talvez sejam o melhor resumo do chamado "modo de vida rock and roll". Cantando para aposentados em Las Vegas, o maior ídolo pop de todos os tempos se acabou em quantidades estratosféricas de lixo alimentar e tranquilizantes prescritos por um doutor mercenário.
Nos últimos dias, só ia ao banheiro arrastado e, para se levantar da cama, sempre por volta de 15h, era preciso que lhe enfiassem pelo nariz algodões com cocaína.
No extremo oposto (ao menos em teoria), temos o suicídio de Ian Curtis (1956-1980), o transtornado poeta do Joy Division. Todo mundo que faz rock ainda sente nos ombros o peso da influência de Curtis.
Aprendemos a respeitar seu ato de desespero, que víamos como uma espécie de sacrifício pela salvação de outras bandas. Líamos cada um de seus versos sombrios, tentávamos decifrar as letras.
Curtis era deus porque tinha escrito "Atmosphere" ("gente como você acha fácil/ir embora em silêncio"), hino lúgubre de uma geração. Ele compôs também "Transmission" ("ouça o silêncio/deixe-o reverberar") e, acima de tudo, "Love Will Tear Us Apart", lamento eletrificado sobre a impossibilidade do amor.
O problema é que um livro devastador, lançado na Inglaterra e ainda inédito no Brasil, joga por terra o mito Curtis. Escrito pela mulher dele, Deborah, "Touching from a Distance" descreve um Curtis ególatra e mais preocupado com roupas do que com música.
Insinua até que alguns dos ataques epiléticos que ele sofria seriam forjados.
Entendemos, então, que o suicídio de Ian Curtis não teve valor simbólico algum. Foi uma tolice, talvez só comparável à própria vida em sua infinita falta de sentido.

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