São Paulo, segunda-feira, 6 de outubro de 1997
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Do porteiro ao presidente

GUSTAVO IOSCHPE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Aldous Huxley dizia que a lição mais importante que os homens têm a aprender da História é que eles não aprendem lição nenhuma da História.
Há muitos séculos, a Grécia antiga deu aos homens a história de Narciso, aquele que só conseguia amar a si mesmo e acabou morrendo afogado na poça d'água em que se admirava. É de pensar que seria só uma parábola, avisando sobre os males do auto-amor. Mas atualmente isso parece estar se tornando realidade.
Quando uma pessoa resolve enfiar um aspirador dentro de si mesma para tirar uns "pneuzinhos", não é de admirar que dê problema. Pneu é coisa de carro, e lugar de retocá-lo não é em clínica de cirurgia plástica, mas, sim, em borracharia.
Porém as lipoaspirações, "liftings", puxa-daqui-remenda-dali e todo o resto destinado a lutar contra o tempo e a gravidade tendem mais a agradar aos bolsos dos cirurgiões do que aos (im)pacientes. Porque, já dizia Cazuza, o tempo não pára -e um dia o repuxo cai ou, pior, a pessoa fica com aquela cara de ventríloquo, cheia de fendas e riscos cada vez que abre a boca.
O culto à personalidade é que nem horário político: afeta todo mundo. Mais preocupante do que as dondocas, que colocam aquelas máscaras de barro de Caxambu (larga d'eu, coisa ruim!), são as tantas mulheres que sofrem de distúrbios alimentares, como a anorexia e a bulimia, e são condenadas ao visual doril ("sumiu"). Ou, pior ainda, essas (ou esses, pois tem muito barbado que soltou a franga e só quer saber das aplicações de ácido retinóico) que tomam injeção de botox -toxina que paralisa os músculos da testa, fazendo você ficar com aquela expressão de Gerald Thomas, assim ó: "Nem te ligo".
Agora, sério mesmo é quando essa vaidade chega ao chefe da nação. O kaiser FHC é pródigo em dar mostras de como gosta de si mesmo. Aquela risada dele -quando todo o resto do país se preocupa com o sarampo que resolveu voltar- só pode ser o resultado de muitas sessões diárias de "Espelho, espelho meu...".
Parece que toda essa auto-admiração e os estragos que ela vem causando ao país vão acabar levando o poliglota do Planalto a enfrentar um segundo turno no ano que vem.
Não deve lhe custar o emprego, até porque FHC está longe de ser um dos "inempregáveis" que ele enxerga. O que não é o caso, infelizmente, do porteiro do meu prédio. Depois de ter-lhe perguntado algumas vezes como ia o sindicato que ele dirigia, o cara veio me mostrar todo orgulhoso o trabalho que eles estavam fazendo. Com um recorte do "New York Times" no bolso, resolveu me mostrar a reportagem que contava como ele estava processando os condôminos, pedindo US$ 3 milhões.
"Nós vamos acabar com esses desgraçados", disse ele, contaminado pelo espírito de Narciso, apontando pra sua foto no jornal. Foi só depois de passar o transe e dobrar o recorte que o sujeito se deu conta de que eu, como condômino, era um dos "desgraçados" e que talvez tivesse de pagar a sua indenização.
O sorriso amarelo que sobrou na sua cara, certamente, não ficaria muito bem no "Times" ou em qualquer outro jornal. Nem mesmo na seção de desempregados. Para a qual, aliás, ele deve estar se dirigindo dentro em breve.

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