São Paulo, quarta-feira, 8 de outubro de 1997
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Pais dos privilégios

JANIO DE FREITAS

Se a campanha contra a aposentadoria integral dos juízes visasse, de fato, a recusa a privilégios, como apregoam Fernando Henrique Cardoso e Antonio Carlos Magalhães, outros e maiores privilégios não seriam protegidos e até ampliados pelo próprio presidente e pelos líderes do PFL e do PSDB.
Sendo privilégio a aposentadoria integral dos magistrados, em comparação com o corte de 20% nas futuras aposentadorias dos demais funcionários e com a aposentadoria humilhante dos assalariados, como qualificar a aposentadoria dos militares, a chamada reforma? Ao aposentar-se, os militares, mais do que os vencimentos da ativa, recebem o correspondente ao posto acima do seu, como se promovidos.
O general Castello Branco, ao assumir o governo depois do golpe, extinguiu a promoção de posto porque o Brasil já tinha marechais para um Maracanã inteiro, mas manteve a promoção dos vencimentos. Vigente e intacta, tal distinção é justa ou injusta, em comparação com todas as demais modalidades de aposentadoria, existentes ou em votação no Congresso por proposta do governo? Ou o que está em questão não é o problema dos privilégios?
A propósito da votação prevista para hoje, sobre a aposentadoria futura dos juízes, Fernando Henrique emitiu ontem mais uma colaboração para as pressões do senador Antonio Carlos contra os demais senadores: "Acho que o Senado vai votar com a razão. E a razão diz que os privilégios devem terminar em todos os setores".
Apesar disso, há 13 dias a Câmara aprovou, em primeiro turno, uma proposta do mesmo Fernando Henrique Cardoso para que os militares, tornando-se desvinculados do restante do funcionalismo público, possam receber aumentos salariais exclusivos em ocasião e em dimensão. Foi para impedir esse privilégio que a Constituição associou os tratamentos a servidores civis e a servidores militares. Com o voto do hoje privilegiante Fernando Henrique Cardoso.
A aposentadoria dos juízes é polêmica, havendo argumentos consideráveis pela redução como pela integralidade. O erro está na sua discussão em separado, quando as aposentadorias deveriam ser tratadas em conjunto e por um projeto sério. E, sobretudo, é indigno que sejam utilizadas para politiquices e verborragias que só denunciam os seus autores.

Bom símbolo
Os automóveis foram promovidos ao lugar das dentaduras como símbolo dos tempos atuais. É merecido, por eles e pelo governo.
"Ford investirá US$ 1 bi no Sul" -exulta a manchete. Assim: o Estado comprará um terreno de 600 hectares para a fábrica; fará, nele e nas adjacências, as obras de urbanização e infra-estrutura; incentivos fiscais dispensam a empresa de impostos; o BNDES financia, a juros privilegiados e a perder de vista, US$ 700 milhões, maravilha das maravilhas, se em algum tempo o custo do financiamento custar mais de 6% ao ano, o Tesouro é que paga a diferença -quer dizer, os cidadãos em geral pagam também isso, além de todo o restante.
E há quem diga que "é preciso acabar com os privilégios em todos os setores".

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