São Paulo, quarta-feira, 8 de outubro de 1997
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Cuidado com o silêncio de Jatene

ELIO GASPARI

Depois de Ciro Gomes, o tucanato está cultivando uma nova e perigosa dissidência. Chama-se Adib Jatene. O ex-ministro da Saúde deixou o governo há um ano e voltou para seu trabalho de cirurgião. Se teve um projeto político, ou se pode vir a tê-lo, não faz dele o centro de sua vida. Continua a ser um médico que virou unidade de medida de competência e vive afastado do jogo político. Pode virar um dissidente pelo esgotamento de sua paciência profissional. Aconteceu-lhe o seguinte:
1) Enquanto batalhou pela criação do imposto do cheque (a CPMF), teve que carregar o rótulo de médico que não entendia de matemática. Seus críticos argumentavam que era só fazer as contas: o imposto desorganizaria as finanças, drenaria as Bolsas e não passaria na Câmara. Veio a CPMF, arrecadou muito mais do que se previa, não desorganizou coisa alguma. A Ekipekonômica, que sabe fazer contas, estava fazendo terrorismo fiscal.
2) Jatene lutou pela CPMF para aumentar os investimentos da União no setor de saúde. Quando viu que não lhe dariam o dinheiro que precisava, foi-se embora do governo. Agora, verifica que, apesar do novo imposto, a União pretende gastar com saúde menos do que gastou em 1995. Em miúdos: tungaram o imposto.
3) Enquanto esteve no ministério, Jatene lutou para que as empresas de medicina privada ressarcissem o SUS quando seus clientes fossem atendidos na rede pública. Seu projeto ficou engavetado no Gabinete Civil por quase seis meses. Remetido ao Congresso, patinou no desinteresse do governo. Com a regulamentação dos planos de saúde, o governo conseguiu levar adiante o conceito do ressarcimento, mas não se pode dizer quando a primeira empresa se verá obrigada a assinar o primeiro cheque. É certo que isso não ocorrerá no atual mandato do presidente da República.
4) Agora se descobriu que há algo de anormal acontecendo com os testes do sangue doado para transfusões. A portaria que regia o controle de qualidade ficou no papel, e o presidente da Fundação Pró-Sangue, Dalton Chamone, denunciou as dificuldades. Foi demitido e colocado sob suspeita de favorecimento de uma empresa privada. Com isso, o caso foi encaminhado da pior maneira possível, pois, se a comunidade médica confia na qualidade do sangue que circula pelos hospitais, até uma anta é capaz de entender que a portaria do controle de qualidade, não tendo sido revogada, deveria ser cumprida. Some-se a isso o fato de que o secretário de Vigilância Sanitária da gestão Jatene, o professor Elisaldo Carlini, é um profissional conhecido pela competência médica e pelo rigor com que tratou os laboratórios que rondam os serviços de medicina pública.
Jatene já disse que saiu do ministério porque não poderia ratificar o desvio dos recursos da CPMF.
Se Jatene resolver reclamar, tomará um curso diferente daquele que Ciro Gomes foi obrigado a percorrer pela natureza eleitoral de sua dissidência. Ciro teve que vagar pelo trem fantasma das brigas da esquerda, de Lula a Arraes. Não sendo candidato a nada, Jatene não levantará esotéricos problemas partidários, coisa que a sociedade mal entende e pouco quer entender. Sua reclamação irá direto à alma das famílias, tratando de uma coisa de que todo mundo precisa e sabe que vai mal: a saúde. É uma coisa tão importante que, ao tempo em que FFHH tinha cinco dedos na mão, um deles era feito de promessas nessa área.

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