São Paulo, quarta-feira, 8 de outubro de 1997
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China descia rio e constrói obra faraônica

TERESA POOLE
DO "THE INDEPENDENT", EM PEQUIM

No mês que vem, a China vai finalmente desviar o curso do grandioso rio Yang-tsé, e o controvertido projeto da barragem Três Gargantas se tornará irreversível. Esta semana, na fase de preparação para esta dramática reforma da natureza, a navegação normal foi proibida no leito principal do rio, ao lado da área da barragem. O governo chinês aposta no projeto, que é visto pelos críticos como potencial fonte de desastre ecológico.
A idéia de construir uma barragem no rio Yang-tsé foi aventada pela primeira vez pelo pai da república chinesa, Sun Yat-sen, quase 80 anos atrás. Mas, para os barqueiros que navegam no rio perto do local da enorme barragem, na Província central de Hubei, a virada ocorreu nesta segunda-feira.
Para quem desce em direção à barragem, o majestoso rio começa a descrever uma curva à esquerda pouco antes de chegar ao local da maior obra de construção vista na China desde que foi erguida a Grande Muralha. Desde o início das obras, três anos atrás, os barqueiros do Yang-tsé assistem a um exército de camponeses chineses escavando um novo canal artificial ao lado direito do rio, parte do maior projeto de movimentação de terras da história.
Ao mesmo tempo, uma parede de concreto -a "barragem preliminar", ou ensecadeira- vem atravessando o rio aos poucos, dividindo o fluxo principal e gradativamente desviando as águas do rio para o novo canal.
Dois dias atrás os barqueiros foram informados de que não podiam mais viajar pela rota desenhada pela mãe natureza, mas que deveriam, em vez disso, passar pelo novo canal artificial, com 4 km de extensão. Pela primeira vez na história, as embarcações foram proibidas de passar pelo leito principal do rio. Durante as próximas quatro semanas a barragem preliminar será concluída, fechando o rio original. A conclusão do trabalho será marcada por uma grande cerimônia, prevista para entre 6 e 8 de novembro, quando os blocos finais serão colocados sob o olhar atento do primeiro-ministro Li Peng, um dos mais árduos defensores do projeto.
Com o leito natural do rio já seco abaixo da barragem preliminar, terão início os trabalhos de construção da parede definitiva da barragem, uma cortina de concreto de 175 metros que vai atravessar o vão entre as colinas situadas de cada lado do rio. Quando a construção estiver concluída, em 2009, a barragem terá criado uma represa de 663 km de extensão, que vai inundar uma área do tamanho de Cingapura. O nível do rio acima da barragem terá subido 100 m, e a famosa paisagem dos Três Gargantas ficará submersa.
A escala do empreendimento é espantosa. Quando o projeto estiver concluído, cerca de 103 milhões de m3 de terra e rochas terão sido escavados. E, fato que está gerando ainda mais controvérsias, cerca de 1,2 milhão de pessoas, 1.600 empresas, várias cidades, 140 vilas menores e 4.500 povoados terão sido transferidos da área inundada para outras áreas.
Momento histórico
Para Qin Zhongyi, vice-presidente da Corporação de Desenvolvimento do Projeto Três Gargantas, não há motivos para preocupação.
"Eu diria que este é o melhor momento da história chinesa para a construção da barragem", disse ele. O governo chinês está investindo muito no projeto -até o final do ano terá gasto 27 bilhões de yuans (2 bilhões de libras)-, mas isso não é nada quando comparado ao estupendo custo total estimado do projeto: 203 bilhões de yuans (16 bilhões de libras).
Tudo indica que barragem vai gerar energia elétrica de custo altíssimo. Por isso, o governo chinês agora está promovendo o projeto como sendo, em primeiro lugar, um esquema de controle de enchentes que vai proteger as dezenas de milhões de pessoas vulneráveis que vivem na parte baixa do Yang-tsé. "O controle de enchentes é o fator decisivo, porque não existe outra maneira de atingir esse objetivo", disse Qin.

Tradução de Clara Allain

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