São Paulo, quarta-feira, 8 de outubro de 1997
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É a vida

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Como ia dizendo, acho que nada há para ser dito, mas é preciso que se diga alguma coisa. Aquele velho que Camões botou no cais jogando pragas contra a esquadra de Vasco da Gama, que partia para o infinito daquela época, entre muitas besteiras disse uma na qual venho meditando: "Maldito seja aquele que por primeiro botou uma vela em frágil lenho". (Cito de memória, o verso deve ser outro, mas o sentido é esse).
Realmente, houve o dia nefasto em que alguém imaginou botar uma vela de pano em cima de um pedaço de pau -e criou a primeira jangada na qual Ulisses, muito mais tarde, fez a viagem mais inútil da história e da lenda humana. Daí em diante, o homem não foi mais o mesmo. Precisou ir para a frente, mesmo sem sair do lugar. O mar ficou salgado com as lágrimas dos que choraram seus mortos e ausentes. Foi aí que os franceses, que inventaram coisas mais úteis como o patê e o michê, bolaram aquela frase: "C'est la vie".
Vistas de longe (a globalização tem mão única, lá fora o Brasil ainda não foi descoberto por um audaz que colocasse resignada vela em frágil lenho), as notícias fatiadas me espantaram, mas não me comoveram: problemas com a dentadura do FHC (não entendi bem o que houve com os dentes de S. Exa., mas prometo me informar). Sim, teve o papa -eu estava em Roma quando um jornal de lá perguntou: "O que o papa vai fazer no Brasil?"
No fundo, a mesma reclamação do velho que Camões colocou no cais amaldiçoando os que partiam. Bem verdade que o papa não veio em frágil lenho movido por vela, mas a bordo de um possante Boeing que trazia o nome de Paganini na fuselagem.
Do mesmo Paganini cujo concerto ouvi numa velha igreja romana e que me deu vontade de aderir ao ancião do Restelo e ficar por lá mesmo, que voltar não é preciso.
Para desgraça principalmente minha -voltei. Justo quando o papa também voltava. Não sei o que ele vai fazer em Roma.

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