São Paulo, quinta-feira, 9 de outubro de 1997
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A onda da "globalização"

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A popularidade do tema "globalização" continua crescendo. Aqui no Brasil só uma meia dúzia de gatos pingados ousa questionar o blablablá generalizado.
A grande maioria não se dá conta de que esse debate está contaminado de exageros, fantasias e mitos. A própria "globalização" é um mito, uma ideologia que exagera -às vezes de forma grotesca- o alcance e a novidade do processo de internacionalização em curso nas décadas recentes.
Há quem sustente que mitos são inevitáveis e podem até ser positivos. Fernando Pessoa, por exemplo, dizia que um povo precisa de mitos que o dinamizem. Segundo ele, o intelectual pode intervir inventando e difundindo mitos.
Talvez. O problema é que, com poucas exceções, a intelectualidade brasileira só inventa (nem sei se inventa) ou difunde mitos paralisantes, destrutivos.
A "globalização" é um deles. Uma multidão de economistas, jornalistas e políticos afirma que se trata de um "fato", de uma realidade inquestionável.
Essa conversa de fatos inquestionáveis faz lembrar o que dizia Nietzsche: "Não há fatos; só interpretações". A própria linguagem, afirmava, é na origem expressão do poder dos dominadores.
A frase tão repetida, tão ao gosto dos porta-vozes locais da "globalização": "Não adianta brigar com fatos" significa normalmente uma outra coisa: não adianta brigar com as interpretações convenientes aos interesses dominantes no plano nacional e, sobretudo, no plano internacional.
Mas vamos deixar o Nietzsche fora desse debate de nível duvidoso. Um consenso tão compacto, tão sólido já poderia suscitar suspeitas.
Lembrem-se da "âncora cambial". Por volta de 1993-94, havia aqui no Brasil uma virtual unanimidade quanto à necessidade dessa "âncora". Tudo quanto era economista e jornalista usava e abusava da expressão. O que era conceito virou uma palavra de ordem barulhenta e oca. Os mais afoitos animavam-se a defender, sob aplauso da arquibancada, versões radicais da "âncora cambial", na linha da dolarização e do conselho da moeda.
Só um punhado de economistas, considerados "politicamente motivados", destoava desse consenso fabricado pela mídia.
Um alto funcionário do governo chegou a declarar que o conceito de déficit em conta corrente não era mais relevante! Evidentemente, num país primitivo como o Brasil, uma barbaridade dessas era divulgada, praticamente sem contestação, com destaque de primeira página.
Hoje, ao contrário, não faltam alertas para os riscos da valorização cambial e do desequilíbrio externo. Reviravolta tardia. Agora é muito mais difícil corrigir os problemas e distorções resultantes de vários anos de imprudência no campo da política econômica externa.
Com a "globalização" vai acontecer coisa parecida. Daqui a algum tempo, depois que a economia brasileira tiver sido leiloada para tapar os rombos produzidos pela política econômica do governo, descobriremos que a "globalização", tal como discutida no Brasil, é mais uma canoa furada em que resolveram nos embarcar.
Banco Central
A propósito da interpelação judicial que o Banco Central moveu contra mim, outros jornais têm publicado notas distorcidas. Andam espalhando que depois de fazer "insinuações" sobre a conduta dos funcionários do Banco Central, resolvi desculpar-me. Primeiro, não fiz "insinuações", mas afirmações claras de crítica à atuação do Banco Central no caso do Nacional. Segundo, na resposta que apresentei por escrito à Justiça, mantive integralmente as afirmações contidas no artigo que suscitou a interpelação. Terceiro, não fiz críticas genéricas aos funcionários do Banco Central, a grande maioria dos quais, tenho certeza, é constituída de pessoas dedicadas ao interesse público. A responsabilidade pelo problema é de sucessivas equipes dirigentes da instituição que, durante quase dez anos, não atuaram no sentido de garantir uma fiscalização adequada do sistema bancário.

E-mail: pnbjr@ibm.net

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