São Paulo, sábado, 11 de outubro de 1997
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Dona Ivone Lara sonha com jazz

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

A sambista Dona Ivone Lara, 50 anos de partido alto, dá o recado, nestes tempos de Free Jazz Festival: "Eu queria cantar jazz, meu filho, anote aí, se eu soubesse inglês, eu cantava jazz".
Para um certame que abarca até os dentes dourados e o drum'n'bass do competente Goldie, não custaria nada incluir, na próxima edição, Dona Ivone Lara.
Cantando samba, no português mais "black", embalado pela dicção ímpar da cidade do Rio de Janeiro, Dona Ivone mostraria que guarda todas as semelhanças com as grandes damas do jazz.
Como diz o especialista Haroldo Costa, em texto no encarte do novo disco da sambista, Dona Ivone "mergulha as raízes no outro lado do Atlântico e as ramas dos timbres angelicais".
A festa vem embalada pelo lançamento, depois de dez anos sem disco próprio, do CD "Bodas de Ouro", que faz uma passagem pela vida e obra de Dona Ivone Lara.
Acompanhada de gente do ramo, como Martinho da Vila e Zeca Pagodinho, além de convidados como Gilberto Gil e Toni Garrido, a sambista deixa registrada a sua importância na música negra popular brasileira.
"Se a gente descuida, esquece de lançar alguma coisa, algum disco, a gente cai no ostracismo", diz Dona Ivone Lara, que na última década apenas participou de discos de outros sambistas.
Mesmo com bom humor de sobra, ela não esquece de prestar queixas contra o preconceito enfrentado pelos mais velhos no país.
Culpa do samba
Referência do chamado samba autêntico, a cantora e compositora é compreensiva e moderada quando fala sobre a onda do pagode "mauricinho" ou "sambanejo" que assola o país.
"É o próprio samba, que é muito grande e generoso, o culpado por isso", diz, tranquila. "Cabe tudo, várias formas, dentro do samba, é uma coisa sem limites, mesmo fugindo do seu lado mais autêntico."
Nem mesmo o disco comemorativo de Dona Ivone escapou da choradeira do novo pagode. O cantor Netinho e o seu Negritude Jr. participam, como convidados, da faixa "Alvorecer".
Certamente, uma jogada dos marketeiros da gravadora para tentar fazer uma ponte entre os dois terreiros distintos do samba.
Generosa, coração grande, Dona Ivone Lara compreende.

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