São Paulo, sábado, 11 de outubro de 1997
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Autor antipatiza com novos personagens

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"A Casa do Poeta Trágico" é o terceiro livro que Carlos Heitor Cony publica, depois de um intervalo de mais de 20 anos.
Dizendo-se vítima de um boicote patrocinado pelo PCB, Cony, que despontou como um talento literário nos anos 60, só voltou a publicar novidades em 95, com "Quase Memória".
Leia a seguir trechos da entrevista que concedeu à Folha, por telefone, do Rio de Janeiro.
(MRP)
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Folha - Você havia me dito, antes, que o livro é difícil. Achei o contrário, um livro facílimo de ler.
Carlos Heitor Cony - Achei que fosse difícil, pois tem dois tempos. O editor também havia dito isso.
Folha - Você adora a Itália. Acabou de vir de lá e agora escreveu um romance que se passa lá. O que tem a Itália?
Cony - Ruínas. Adoro ruínas. Não vejo graça em Nova York, por exemplo. Só daqui a milhares de anos, quando houver ruínas, tiver passado, como "a casa em que morou Paulo Francis"...
Folha - Você usa uma fábula, no livro, que diz que conquistar uma mulher é como caçar uma baleia.
Cony - Não existe um padrão. Hoje em dia, depois da revolução sexual, isso mudou. Mas, antes, o homem se sentia um caçador, um artilheiro. Escolhe e é escolhido.
Folha - Mas a baleia escolhe?
Cony - Ora, ela está lá, dando sopa. Durante a luta, a mulher dá sinais de que aceita o desafio. O amor é uma luta de morte, que sempre termina em uma ruína.
Folha - Por isso o cenário de Pompéia no livro?
Cony - O homem é predestinado à ruína. Ela começa bem antes dos 70 anos. É gradativa. Faz parte da condição humana. Ruínas revelam mais sobre a condição humana. Antes, há o esplendor da juventude, o triunfo da carne.
Folha - O que vem depois da ruína?
Cony - A ruína final é a morte. No livro, o personagem deveria morrer, talvez se matando, ou ficar vivo, moribundo. Preferi deixar em aberto. Ele já tinha quebrado a cara antes. Teve uma vida pregressa, trabalhava numa coisa alienada, turismo, marketing. Sabia que era decadente. Então, encontra a menininha de 16 anos. Vê um ponto de luz.
Folha - Todo homem de 70 anos quer ver um ponto de luz?
Cony - Ezra Pound (poeta norte-americano, 1885-1974) dizia que pontos luminosos movem a nossa vida. Nossa vida é opaca, sem brilho. Só quatro ou cinco eventos, pontos luminosos, realmente interessam.
Folha - Sem os pontos luminosos, o que é a vida?
Cony - O resto são ângulos mortos. É um amontoado de nada. Salvo os pontos luminosos, como o amor. O amor é sempre uma inspiração entre duas pessoas.
Folha - Foi fácil criar os personagens Augusto e Mona, já que existem Cony e Beatriz?
Cony - Sinto muita antipatia pelos personagens desse livro. Não perdôo nenhum dos dois. A menina é um tipo estranho, um grande enigma. Ela quer sugá-lo. É uma biografia metafórica, não só minha, mas de toda uma geração que chega à casa dos 70 anos.
Folha - Como é chegar aos 70?
Cony - Você descobre que a vida é uma perda de tempo. Só quando você está querendo fisgar uma baleia é que ganha graça. A vida causa náusea. Sou, como minha geração do pós-guerra, "sartreano" (de Jean Paul Sartre, filósofo existencialista francês que escreveu "A Náusea"). Todos os meus livros falam disso, da náusea pela condição humana.
Folha - O homem não tem solução?
Cony - O homem é uma casa habitada por um poeta trágico. Continua sem solução. Não consegue conviver com perguntas sem respostas como "De onde vim?"

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