São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Clinton não é carioca

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Ao contrário de Sua Santidade o papa, Mr. Bill Clinton, presidente dos EUA e sumo dirigente do reino da terra, não é carioca.
Pretende entrar no Rio cercado de bazucas, metralhadoras e fuzis. Sua equipe de segurança não quer conversa. Na lógica John Wayne, que preside a terra de Marlboro, não há como subir um morro de uma cidade como o Rio, onde aloja-se o narcotráfico armado de fuzis e granadas, sem artilharia. Muito menos se o visitante é o homem "number one" da América.
As exigências dos agentes norte-americanos estão "irritando" os brasileiros. Brasileiro, como se sabe, não gosta de exigência. Tem que ser tudo na base da conversa, na linha "a garantia soy yo".
Muita presunção dos gringos, não é mesmo? Eles que ainda por cima escreveram um documento que faz referência à "corrupção endêmica" do país.
É divertida a ambiguidade que marca as relações dos brasileiros com os EUA.
País de forte influência européia, até pelo menos a Segunda Guerra, o Brasil veio cada vez mais, nas últimas décadas, deslocando-se para a órbita cultural de Tio Sam. O índio que falava francês agora veste orelhas de Mickey Mouse.
Talvez o maior símbolo do que já se chamou de "americanalhização" do Brasil seja o lugar que Miami passou a ocupar no imaginário novo rico brazuca.
A ascensão de Miami, a meca da cafonice, dos tênis paquidérmicos, das camisetas idiotas e dos eletrônicos trambicados, ocorre num período em que declinam as ideologias nacionalistas e socialistas -como declina a força da cultura européia. Um período de troca de sinais e mudança de vetores.
Gente até então execrada por suas inclinações anglo-saxônicas, como o economista Roberto Campos, por exemplo, o famoso Bob Fields, passou a surfar na crista da nova onda. Os EUA foram liberados no Brasil. Podemos nos comportar como uma grande Greenville, oraiti?
Certamente nem toda absorção da cultura americana dá-se de forma acrítica, pela via da cópia ou do pastiche -e a bossa nova é uma clássica demonstração disso. De qualquer forma, parece que, como nunca, brasileiros sonham com aquela grama bacana dos States e aderem -o que, de resto, é um fenômeno internacional- ao modo americano de vida.
Mas apesar de tudo, prevalece em certos momentos o orgulho nacional. A velha idéia de que um dia seremos os EUA do sul aflora, e vêm à tona contestações e algumas bravatas. É o nobre senador Antônio Carlos Magalhães levantando a voz, é o governo "irritado", é a briga Mercosul versus Alca.
Não creio que Clinton, como fez Ronald Reagan, nos confunda com a Bolívia. Talvez já saiba até mesmo que a capital do Brasil é o Rio, não Buenos Aires. Tanto faz. Americanos são americanos. E para eles o resto é mesmo o resto.

Texto Anterior: Policial acusado de homicídio chega ao Rio; Enterrado vigia morto por crianças em SP; Morre presidente da sociedade israelita
Próximo Texto: Brasil autoriza uso de armas pesadas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.