São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
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O arquétipo da heroína

Linguagem de "Amrik" exerce atração sensual no leitor

ANTONIO CARLOS OLIVIERI
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Amrik", o novo romance de Ana Miranda, relata a história de Amina, que recorda sua vida de dançarina e imigrante, num fluxo de consciência muito bem construído. Imagine que a fabulosa narradora das "Mil e uma Noites", Sherazade, tenha lido o "Ulisses" de Joyce e emigrado para São Paulo do final do século passado, onde decidiu registrar suas memórias. É uma imagem pálida do tom "Amrik", com seus capítulos simétricos, compostos de um só parágrafo, com um único ponto, no final.
Mas não se trata absolutamente de uma obra de puro experimentalismo linguístico. No discurso da narradora, escutamos -além da reconstituição da "voz" das imigrantes libanesas- o fluir contínuo de muitos enredos, traço característico da tradição literária árabe, que Ana Miranda captura com brilho.
Longe de ser simples virtuosismo, esse procedimento contextualiza a narração de Amina na tradição de suas origens árabes, tornando-a uma narradora mais que consistente, cuja linguagem é capaz de exercer sobre o leitor uma atração sensual, talvez semelhante à da arte das dançarinas de Beirute.
Além disso, é inegável a existência de um eixo narrativo, de caráter épico, no discurso de Amina. Além dos ornamentos de estilo, das aproximações com a poesia, do lirismo feminino inerente ao texto da autora, da devida apropriação do vocabulário árabe, Amina narra a saga de seu povo, da qual é uma digna representante, na sua condição arquetípica de heroína.
Aliás, o lado épico e histórico da obra é um aspecto que merece elogios. Afinal, a história e as histórias dos imigrantes libaneses do Brasil e de sua contribuição cultural com o país ainda não foram suficientemente focalizadas nem pelas ciências sociais nem pela literatura (como a de outras colônias de imigrantes de um modo geral).
Um que particularmente espanta está escancarado no primeiro capítulo. É a referência infelizmente kitsch ao ato sexual, composta com imagens gastas, como se vê no trecho: "Ia eu ter de dançar para ele haialá laihá depois de sentir as mãos dele me despindo, a língua dele arre o cipreste se sacia em suas fontes, as espadas lavram a concavidade dos vales, amantes branqueiam colinas com o leite de suas gazelas (...)".

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