São Paulo, terça-feira, 14 de outubro de 1997
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Argentina pode 'roer' Mercosul

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DO ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O grande risco para a estratégia do Brasil no campo do comércio exterior é a possibilidade de a Argentina roer a corda do Mercosul.
Em Miami, em 1994, o presidente Carlos Menem fez as mesuras que pôde para ver seu país incluído junto com o Chile na lista de futuras adesões ao Nafta, o Acordo Norte-Americano de Livre Comércio.
Como Bill Clinton não teve até agora condições políticas de trazer nem mesmo o prometido Chile para o Nafta, a Argentina acabou se integrando decididamente ao Mercosul, que lhe tem trazido inegáveis vantagens econômicas.
Mas, devido a sua histórica rivalidade com o Brasil, a situação de dependência do crescimento econômico da Argentina às importações brasileiras deixa muita gente nervosa no país vizinho.
Por isso, entende-se que a Argentina queira ver a Área de Livre Comércio das Américas se movendo com a máxima desenvoltura.
Safta
Para os EUA, atrair a Argentina para o Nafta ou para um acordo bilateral de livre comércio é a melhor maneira de neutralizar a crescente hegemonia do Brasil sobre a América do Sul.
O pior cenário para os EUA é um eventual Safta (Acordo Sul Americano de Livre Comércio) coeso, forte e bem relacionado com a União Européia. O poder de barganha desse grupo sob a liderança do Brasil daria muita dor-de-cabeça para os EUA durante as negociações da Alca.
Como Clinton não dispõe (pelo menos por enquanto) da legislação que lhe permitiria fazer convites à Argentina, ele vai espicaçando o Brasil com pequenos gestos, apenas simbólicos, é verdade, mas que mostram uma tendência de sempre agradar a Argentina.
A dispensa dos vistos de entrada nos EUA, o status de "aliado militar íntimo", a suspensão das barreiras para a importação de carne fresca, as mais de 40 horas a mais que ele vai passar na Argentina do que no Brasil nesta viagem são todas prendas que Menem pode exibir, como quem não quer nada, para enciumar os brasileiros.
Mais acordos
É claro que, por menor que seja, a agenda substantiva dos EUA com o Brasil nesta viagem é muito maior do que com a Argentina. Até com a Venezuela, que entrou no roteiro desta visita pelas portas do fundo, foram celebrados mais acordos do que com a Argentina.
É verdade que o Brasil nunca pediu status de "aliado militar íntimo" aos EUA, mesmo porque o país participou com 25 mil soldados, engajados no 5º Exército norte-americano, da Segunda Guerra Mundial, conflito no qual a Argentina não entrou. Os EUA nunca tiveram com o Brasil sérios problemas militares a resolver, como tiveram com a Argentina.
Também é argumentável que não há tantos turistas argentinos nos EUA como há brasileiros e que o tempo a mais que Clinton vai passar na Argentina em relação ao passado no Brasil se deve apenas à coincidência de que no fim-de-semana ele estava lá e não aqui.
Mesmo assim, é evidente que o governo Clinton não perde chance de fazer um afago na Argentina e uma desfeita para o Brasil.
(CELS)

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