São Paulo, terça-feira, 14 de outubro de 1997
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Coquetel anti-Aids não erradica HIV, diz cientista

JAIRO BOUER e
LUCIA MARTINS

JAIRO BOUER; LUCIA MARTINS
ENVIADOS ESPECIAIS A HAMBURGO

Resíduos do vírus foram encontrados em glânglios de pacientes tratados desde cedo; pesquisador sugere ataques múltiplos

Pela primeira vez, o pesquisador norte-americano David Ho admitiu publicamente que o coquetel anti-Aids não consegue erradicar completamente o vírus HIV (causador da Aids) do corpo.
Considerado o pai e principal entusiasta do coquetel, Ho apresentou resultados atualizados de seu estudo. Ele encontrou "resíduos" do vírus até em pacientes tratados a partir dos três primeiros meses após a contaminação.
A equipe do pesquisador, do Centro de Pesquisa em Aids Aaron Diamond, de Nova York (EUA), passou entre 18 e 28 meses acompanhando cerca de 50 doentes que usavam terapia combinada (com três ou quatro drogas). A carga viral no sangue de todos caiu para níveis indetectáveis a partir do quinto mês de tratamento.
Em 12 deles, Ho realizou análises mais detalhadas em vários tecidos do corpo (reservatórios do vírus).
No tecido nervoso (líquor) e no sêmen, Ho não encontrou vírus. No entanto, em gânglios (tecido linfóide), apesar de haver uma redução proporcional à observada no sangue, algumas partículas ativas do vírus foram localizadas. Essas células correspondem a menos de 0,1% das reservas do HIV.
"Esses resultados mostram que, além das drogas, temos de ter outras estratégias para combater a infecção", disse Ho à Folha.
O pesquisador nega que esteja voltando atrás e abandonando o otimismo em relação ao uso da combinação de drogas (a mistura de remédios que agem em diferentes fases da multiplicação do vírus). Em 96, Ho foi considerado o homem do ano por uma revista dos EUA por ter apresentado o primeiro resultado em que, com o coquetel, a carga viral foi reduzida a zero no sangue dos pacientes.
Para Ho, o caminho hoje é fazer "múltiplos" ataques ao vírus, com drogas, vacinas e mecanismos para aumentar a resposta imunológica do organismo.
Ho estima que, a cada dia, de 50 a 200 células infectadas poderiam ser "reativadas" nos gânglios, numa proporção que talvez pudesse ser controlada pelo próprio organismo. Mas é impossível ter certeza de que a carga viral não subiria se o tratamento fosse suspenso.
Ho mantém a defesa do esquema triplo e seu bordão "hit early and hard", isto é, o tratamento dos soropositivos deve começar cedo e com toda a força.
Ontem, no terceiro dia da 6ª Conferência Européia de Tratamento da Infecção por HIV, em Hamburgo (Alemanha), quando e o tipo de drogas que pode ser usada inicialmente voltaram a ser temas de debate.
Sven Danner, do Centro Acadêmico Médico, da Universidade de Amsterdã (Holanda), também defende o uso de esquemas potentes, incluindo um inibidor da protease, desde o início do tratamento. "Hoje, essa é melhor estratégia que temos em mão. Talvez no futuro, com novas drogas aprovadas, eu mude minha opção."

Os jornalistas Jairo Bouer e Lucia Martins viajaram a convite dos laboratórios Abbott e Roche

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