São Paulo, terça-feira, 14 de outubro de 1997
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Escravo Marcelo

JUCA KFOURI

O zagueiro Marcelo chegou a ser capitão do Corinthians.
Campeão paulista em 1988 e brasileiro em 1990, estudou engenharia até o quarto ano.
Descendente de armênios, menino de classe média, firmou-se no futebol com talento e, sobretudo, com inteligência acima do comum entre os jogadores.
Foi para França, deu-se razoavelmente bem e voltou. Dono de seu passe, voltou para o Brasil e fez um contrato com o Goiás.
Treinou, participou de um amistoso e foi procurado pelo Cruzeiro. Embalado pelo sonho de jogar a final do Mundial de clubes, rescindiu seu contrato com a equipe goiana, pagou a multa rescisória (R$ 35 mil) com dinheiro do clube mineiro e envolveu-se numa batalha judicial.
Compreensivelmente irritada com a atitude cruzeirense, a direção do Goiás não quis liberar sua transferência, obrigando o atleta a bater às portas do ministro Almir Pazzianoto, do Tribunal Superior do Trabalho, que, em sentença histórica, determinou que a CBF tratasse de liberar o jogador.
Diante da possibilidade até de prisão por desobediência à Justiça, não restou outro caminho que não o da liberação formal, embora, por incrível que pareça, imediatamente a CBF tenha advertido o Cruzeiro que o registro do novo contrato de Marcelo exporia o clube a sanções.
Com a coragem que caracteriza a cartolagem, a raposa pôs o rabo entre as pernas e, entre constrangidos pedidos de desculpas, comunicou ao jogador que ele não mais interessava. E ainda pediu o dinheiro da multa de volta.
Resultado: Marcelo não tem mais lugar para trabalhar neste ano, pois o prazo para inscrições no Campeonato Brasileiro já acabou.
Mais: está sendo processado pelo Goiás por abandono de emprego, muito embora tenha lá treinado até o dia anterior à sentença do TST.
Marcelo é um jogador com formação acima da média, o que apenas revela duas faces da mesma moeda: uma, a do atleta esclarecido o suficiente para fazer valer seus direitos; outra, exatamente por ser esclarecido, a do exemplo para que todos os demais se comportem como gado no pasto, como se a escravagista estrutura reinante em nosso futebol avisasse a maioria. "Se até o Marcelo se deu mal, imagine você, um zé qualquer. Submeta-se, portanto."
Até quando o país conviverá com tamanha violência sem se indignar?

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