São Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 1997
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CRONOLOGIA

4/3/1964: O presidente João Goulart se reúne com generais e coronéis de sua confiança num churrasco em Brasília. O chefe da Casa Militar, Assis Brasil, mostra-lhe mapas com a distribuição dos comandos e assegura que dispõe de um dispositivo militar invencível. Discursa e pede: "Mande brasa, presidente".
13/3: Com a proteção de tropas de nove guarnições das três armas e tanques do Batalhão de Infantaria Blindada, Jango vai a um comício em frente à Central do Brasil. Anuncia um pacote de reformas que inclui uma nova lei de remessa de lucros de empresas estrangeiras, a desapropriação de terras às margens das rodovias federais e a extensão do voto aos sargentos das forças armadas.
O embaixador Lincoln Gordon ouve o discurso de Jango no rádio de seu carro, a caminho do Galeão, de onde voaria para Washington.
19/3: Realiza-se em São Paulo a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. A imprensa diz que juntou 1 milhão de pessoas (inclusive a faixa "Vermelho Bom, só Batom").
20/3: Leonel Brizola, cunhado de Jango e seu crítico, reúne-se com alguns colaboradores. Analisam a situação, acham que pode haver um golpe e concluem que ele partiria de Jango. Decidem radicalizá-lo, transformando-o numa revolução.
Em Washington, Lincoln Gordon está na sala de reuniões do ministério, na Casa Branca, com o presidente Lyndon Johnson, o secretário de Defesa Robert McNamara e o chefe da CIA (Central Intelligence Agency), John McCone.
Ele conta: "Eu expus a minha idéia: um quadro no qual havia a possibilidade de uma guerra civil e a necessidade de um plano de contingência". Propõe que, na hipótese do confronto, o governo americano "mostre a bandeira", sinalizando de que lado estava. McCone revela que o empresário Alberto Byington (sogro do futuro governador de São Paulo, Paulo Egídio Martins) passara por Washington e mencionara a possibilidade dos insurretos ficarem paralisados por falta de gasolina, caso houvesse uma greve de petroleiros.
A reunião dura cerca de uma hora. Quando termina, o Pentágono está encarregado de planejar uma ação naval. Para resolver o problema da gasolina, decidiu-se que seriam anexados navios-tanque à frota.
22/3: Lincoln Gordon está de volta ao Rio.
24/3: Semana Santa. Jango está descansando numa de suas fazendas.
O ministro da Marinha manda prender os diretores da Associações dos Marinheiros e Fuzileiros Navais. Seiscentos marujos se rebelam e vão para o Sindicato dos Metalúrgicos, na Tijuca. Dois dias depois, uma tropa de fuzileiros é enviada ao sindicato, ameaçando atacá-lo, mas 26 soldados jogam as armas no chão e aderem ao movimento. A tropa é chamada de volta. O governo começa a negociar uma anistia para os amotinados.
27/3: Luís Carlos Prestes diz no aniversário do Partido Comunista Brasileiro que, se houver uma sublevação militar, "os golpistas teriam as cabeças cortadas".
Desmoralizado pela tolerância com que o governo tratou o motim dos marujos, o ministro da Marinha se demite. Jango coloca no seu lugar um almirante da reserva, Paulo Mário da Cunha Rodrigues, simpatizante do Partido Comunista.
No início da noite Gordon telegrafa a Washington. Para preservar o sigilo, usa o canal de comunicações da CIA. ("Minha secretária nunca me perdoou isso.") Acha que o golpe de Jango está em marcha: "Se ele for bem sucedido, é mais do que provável que o Brasil caia sob pleno controle comunista". Esse documento foi divulgado anos depois, com trechos censurados. Num deles, Gordon pede que se apresse o planejamento da operação naval.
28/3: O secretário de Estado norte-americano, Dean Rusk, telefona a Gordon e lhe pergunta se está realmente convencido de que se deve mobilizar a frota. Lembra que esse tipo de intervenção resultara em encrenca no Vietnã. Gordon acabara de voltar do cinema e mantém o pedido.
Carregando um almirante de esquerda nos ombros, os marinheiros amotinados são soltos e fazem uma passeata pelas ruas do Rio.
O governador de Minas, Magalhães Pinto, reúne-se com generais em Juiz de Fora e diz que vai fazer um manifesto pedindo a deposição de Jango. O general Carlos Luís Guedes, comandante das infantaria de Minas, decide se rebelar na noite do dia 30. Por que 30? "Porque 30 é o último dia de lua cheia, e eu não tomo nenhuma iniciativa na minguante; se não sairmos sob a cheia, irei esperar a lua nova e, então, será muito tarde."
30/3, às 14h (horários do Rio de Janeiro): Guedes reúne alguns oficiais em seu gabinete e informa que está rebelado.
18h: O cônsul americano em Belo Horizonte, Herbert Okun, transmite uma conversa que acabara de ter com Magalhães Pinto. O governador lhe disse: "Haverá uma reação".
18h: O secretário de Estado Dean Rusk pede à embaixada no Rio que inclua a Casa Branca, a chefia do Estado Maior Conjunto e o comando das forças navais do Atlântico Sul na lista dos destinatários de quaisquer informações factuais acerca da situação brasileira. A providência destina-se a apressar a tramitação do papelório.
20h36: Niles Bond, cônsul americano em São Paulo, informa que, segundo uma fonte ligada aos conspiradores, "dentro de 48 horas deverá haver um golpe contra o governo do Brasil".
20h55: Chega à Casa Branca um telegrama no qual o chefe da representação americana em Brasília, Robert Dean, informa que acabou de voltar do Congresso, onde soube que os estados de Minas Gerais e São Paulo estavam rebelados. "As tropas mineiras estão se movendo para as divisas do Estado." (Nenhuma tropa se moveu para posições militarmente relevantes antes do fim da manhã do dia seguinte.) Dez minutos depois de ter transmitido essas informações, Dean revela que uma de suas fontes foi o deputado Martins Rodrigues, líder do PSD na Câmara. Ele lhe disse: "O governo está agonizando".
21h30: Jango está no primeiro andar do Palácio Laranjeiras com um grupo de políticos e amigos. Tancredo Neves pede-lhe que não vá à manifestação dos sargentos no Automóvel Clube. Argumentou que só deveria dar aquele passo se pudesse entrar no prédio acompanhado por todo o seu comando militar, como se já estivesse em campanha. O presidente se aborrece e sai da saleta. Quando Jango deixa o palácio, Tancredo diz: "Deus faça com que eu esteja enganado, mas creio ser este o passo do presidente que irá provocar o inevitável. A motivação final para a luta armada".
22h: Jango chega ao Automóvel Clube. Pouco depois, começa a discursar. Quando Jango estava terminando, o telefone tocou na casa de Lincoln Gordon. Era o secretário de Estado Dean Rusk querendo notícias. O embaixador, com os olhos na televisão e o fone na mão, transformou-se em tradutor simultâneo do presidente.
22h58: Dean Rusk determina aos sete consulados americanos no Brasil que entrem em regime de alerta e passem a transmitir diretamente para Washington "quaisquer acontecimentos significativos que envolvam resistência política ou militar ao regime de Goulart".
23h30: De seu rancho no Texas, Lyndon Johnson telefona ao seu assessor de imprensa, George Reedy, e lhe diz que o golpe contra Jango está por uma questão de horas. Se estourar, terá que que voltar a Washington.
31/3, às 5h: O general Olimpio Mourão Filho, comandante da Região Militar de Juiz de Fora, escreveu em seu diário: "Eu estava de pijama e roupão de seda vermelho. Posso dizer com orgulho de originalidade: creio ter sido o único homem no mundo (pelo menos no Brasil) que desencadeou uma revolução de pijama".
13h50: Vinte minutos depois de uma reunião na Casa Branca da qual participaram o secretário de Estado Dean Rusk, da Defesa, Robert McNamara, e o chefe da CIA, John McCone, o Estado Maior Conjunto norte-americano ordena que comecem os preparativos para que os navios zarpem tão logo seja possível para a "destinação inicial de uma área oceânica na vizinhança de Santos, Brasil". É a Operação Brother Sam, capitaneada pelo porta-aviões Forrestal. Andando rápido, chegaria ao mar de Santos no dia 7 de abril. Dois dos quatro petroleiros só estariam no litoral do Rio uma semana depois.
A frota foi dispersada na tarde do dia 2 de abril. Jango já estava deposto, e a Casa Branca já reconhecera o novo governo. Entre o início e o fim do golpe não houve nenhum envolvimento ostensivo do governo americano. Até hoje, não se encontrou um documento que comprove a probabilidade de um desembarque de tropas, e o embaixador Gordon sustenta que esse assunto jamais foi discutido com ele. Tanto a Operação Brother Sam quanto os documentos que circularam entre o Brasil e Washington só foram conhecidos em 1976, quando o repórter Marcos Sá Correa os descobriu na Biblioteca Lyndon Johnson, no Texas.

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