São Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 1997
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A Alca e os interesses brasileiros

LUÍS NASSIF

Afinal, de que maneira contemplar os interesses brasileiros nas negociações a respeito da Alca?
Principal crítico da aceleração do processo, o senador José Serra (PSDB-SP) defende a tese de que, se a integração é inevitável, deve ser feita aos poucos, sem pressa, e bastante atento às peculiaridades da economia brasileira.
Até pouco tempo atrás, o Brasil não dispunha de tradição de negociações comerciais externas. Só muito recentemente essa estrutura começou a se movimentar.
A principal ressalva é que, ao contrário do Mercado Comum Europeu, a Alca é meramente um acordo comercial, pertence ao gênero das Zonas Francas de Livre Comércio, onde as mercadorias circulam, mas sem uma política comercial comum, ou mobilidade dos fatores de produção.
A União Européia tem outras características:
* além do comércio livre de barreiras tarifárias e não-tarifárias, adota uma política comum para o resto do mundo (no estilo União Alfandegária) e políticas setoriais harmonizadas, a exemplo da Política Agrícola Comum;
* prevê a livre movimentação do capital e da força de trabalho dentro do seu perímetro;
* também são relevantes as políticas e destinação de recursos para a reconversão produtiva.
Nada disso é contemplado na Alca. Não viriam recursos adicionais para consolidar a infra-estrutura brasileira. E o Brasil ainda enfrentaria as seguintes desvantagens:
1) no âmbito das práticas de dumping comercial, teria de trocar os instrumentos mais eficientes da Organização Mundial do Comércio por mecanismos que, no âmbito do Nafta (o bloco comercial formado pelos EUA, Canadá e México), são extremamente complexos;
2) cerca de 110 acordos bilaterais ou sub-regionais existentes garantem a destinação de 23% das exportações brasileiras para a região. Esses acordos certamente seriam questionados no âmbito da Alca.
As múltis latinas
Um terceiro ponto seria a interrupção do processo de preparação das multinacionais latino-americanas, para concorrer em um ambiente global. Citado por Serra, o professor Kotaro Horisaka preparou trabalho sobre a internacionalização das empresas da região.
Percebeu ele que o amadurecimento de uma percepção autenticamente global nos negócios tem levado -especialmente no Brasil, Argentina e Chile- ao surgimento de "multinacionais de Terceiro Mundo". Os executivos estão aprendendo, na prática, a formular estratégias internacionais filtradas pela definição de mercados regionais e sub-regionais.
A criação desses grupos tem se dado de forma preferencial de expansão, em contraposição à formação de alianças, joint ventures ou estabelecimento de subsidiárias.
Por isso, a conquista de mercados é um fator mais importante que a relocalização de plantas visando ao aproveitamento de vantagens comparativas clássicas (como custos salariais menores).
As chances de enraizamento empresarial do Mercosul estão ligadas à evolução da estratégia apontada, que poderia ser atropelada por uma radicalização da abertura comercial no continente.
Por isso, Serra defende a implantação do livre comércio nas Américas, mas acompanhada, numa primeira etapa, pela eliminação (total ou substancial) das barreiras não-tarifárias impostas pelos Estados Unidos sobre as exportações do Brasil e de outros países (relação mencionada parcialmente na coluna de ontem), sem concessões do nosso lado, simplesmente porque elas já foram feitas -as tarifas estão baixas e os controles quantitativos foram eliminados desde 1990.
Resta saber se o outro lado concorda.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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