São Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 1997
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Mercosul: precisamos seguir em frente

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA

O Mercosul vem apresentando resultados bem superiores à expectativa. Tanto sob o ângulo da ampliação do comércio intra-regional e inter-regional como na maior aproximação de nossos vizinhos do Cone Sul -principalmente a Argentina, onde rivalidades históricas inibiam um melhor diálogo-, além de um novo status perante a comunidade internacional. Até aqui, portanto, o Mercosul foi uma história de sucesso.
Cercado de grande ceticismo pelos empresários -que não viam sinergia nem grande benefício em acordo com a Argentina-, ele foi viabilizado pela competência da diplomacia dos dois maiores países, que, com grande determinação, tornaram-no uma realidade. Não é exagero dizer que, se o Mercosul tivesse sido submetido a plebiscito junto a empresários ou políticos, teria sido fragorosamente derrotado.
O sucesso do Mercosul pode ser explicado por três fatores.
O primeiro é a prevalência de regimes democráticos. O acordo não teria acontecido se vigorassem regimes autoritários, preocupados com segurança no conceito militar. Apesar de um certo distanciamento político, o sistema pôde ser referendado pelo Congresso de todos os países envolvidos.
O segundo diz respeito aos resultados dos programas de estabilização implementados por Argentina e Brasil, que reativaram suas economias e induziram, em momentos diferentes, o aumento substancial das correntes de comércio entre os dois países.
O plano de conversibilidade da Argentina e, mais tarde, o Real no Brasil criaram fortes estímulos às economias internas e proporcionaram incrementos nas importações. A corrente de investimentos recíprocos que se seguiu foi outro fator de grande relevância.
O terceiro diz respeito à nova fase de internacionalização que o mundo experimenta. Efetivamente, a agenda dos acordos entre nossos países coincidiu com o fim do protecionismo, desgravações tarifárias e economias mais abertas, ou só foi possível graças a esses fatores, que agora prevalecem.
Assim, não é de estranhar que a comunidade internacional tivesse ficado tão ou mais surpreendida com nossos resultados do que nós mesmos. Nossos retrospectos não eram confiáveis; não éramos vistos como países que respeitavam compromissos e cumpriam prazos. O Mercosul, obra de visionários, não faria em cinco anos o que demorou 30 anos para os europeus!
Na medida em que os prazos foram sendo cumpridos e os resultados aparecendo -e ao passarmos pela crise do México-, as visões se alteraram. Essa situação veio a modificar-se ainda mais nitidamente depois que o Chile e Bolívia, mesmo sem adesão total, celebraram acordos comerciais que os aproximaram do Mercosul. Assim, o que parecia distante, principalmente tendo em vista as conversações com a Comunidade Andina -ou seja, a criação de uma zona de livre comércio na América do Sul-, poderia acontecer.
No entanto, esse sucesso do Mercosul, conseguido em prazo tão curto e com resultados tão expressivos, é a razão dos seus problemas. Se eles não forem equacionados, poderão colocar em risco o que até aqui conseguimos.
Na medida em que os resultados foram aparecendo, nos descuidamos da implementação de uma agenda pró-ativa. As desconfianças de parte a parte podem aumentar significativamente se continuarmos, com uma política de bombeiros, apagando o fogo que aparece aqui e acolá. Como poderão existir interessados em que esse incêndio aconteça, é preciso tomar cuidado.
O fato é que nossos países têm tido uma série de outros assuntos na ordem econômica, que ocupam prioritariamente o tempo das autoridades.
Nosso Itamaraty tem hoje diante de si uma robusta pauta de temas, que vão desde a Alca (ultimamente ocupando muito espaço) até a revisão das relações com o México e a Comunidade Andina, sem falar na hipótese de uma nova rodada de desgravação tarifária patrocinada pela OMC no final deste milênio ou no início do próximo.
Temas do Mercosul, que deveriam prioritariamente ocupar nossa agenda, aguardam o melhor momento. A questão das assimetrias é um deles (o problema recente com o açúcar é um exemplo, pois reflete o tema dos subsídios). Precisamos também buscar convergência nas nossas políticas tributária, trabalhista e alfandegária. O regime automotivo reclama solução definitiva o mais rápido possível.
A questão de uma moeda comum, que nos obrigasse a uma maior ortodoxia, nunca foi analisada detidamente. Continuamos conduzindo nosso comércio intra-regional em dólares, agravando nossos problemas na balança comercial, sem aceitar nossas próprias moedas.
A formulação de uma política para a área de serviços (inclusive financeiros) e compras governamentais não está na ordem do dia. As empresas binacionais não saíram do papel. Uma Bolsa de Valores única para o Mercosul ainda não foi ensaiada, enquanto os europeus caminham nessa direção.
Os diferentes protocolos de integração educativa assinados caminham vagarosamente, assim como os de integração cultural e para a formação de recursos humanos no nível de pós-graduação. Na área de propriedade intelectual também pouco avançamos.
Não podemos correr o risco de que problemas menores anulem o que já alcançamos. Para isso, a transparência e o diálogo entre as partes devem ser constantes e sem reservas.
Assim, antes de buscar ampliar o Mercosul, devemos consolidá-lo e aperfeiçoá-lo, se efetivamente quisermos alcançar um mercado comum.

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