São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 1997
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Corinthians é refém de organizada

ALEXANDRE GIMENEZ,
ARNALDO RIBEIRO
e JOSÉ ALAN DIAS

ALEXANDRE GIMENEZ; ARNALDO RIBEIRO; JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Gaviões da Fiel, maior torcida do clube, vira instrumento de pressão e se proclama órgão fiscalizador do time

Os membros da Gaviões da Fiel acreditam que o símbolo da agremiação -uma águia, voando, segurando com suas garras o distintivo do Corinthians- representa fielmente a relação entre o clube e a torcida organizada.
Para seus dirigentes, a organização funciona como um "órgão fiscalizador" do Corinthians, fundado em 1910 e que tem cerca de 17 mil sócios. A torcida, que surgiu em 1969 para fazer oposição ao então presidente Wadih Helu (que depois se tornou deputado), tem hoje 58 mil componentes.
Portanto, o Gavião, forte e formoso, observa atentamente todos os deslizes da equipe e, quando necessário, "distribui bicadas".
"Somos o poder fiscalizador do Corinthians. Nossa função é cobrar o time onde quer que ele esteja", afirmou à Folha Douglas Deungaro, o Metaleiro, presidente da torcida organizada.
Para o dirigente, a Gaviões da Fiel tem uma espécie de procuração para defender os interesses dos torcedores do Corinthians.
"Somos porta-vozes dos corintianos", disse Metaleiro.
O dirigente afirma, porém, que a Gaviões não pode ser responsabilizada por atos violentos cometidos por pessoas com camisas do clube, como o ocorrido anteontem, na rodovia dos Imigrantes, quando o ônibus da delegação corintiana foi apedrejado por torcedores.
Subsídio e proposta
Todos os presidentes do Corinthians mantiveram um relacionamento estreito com membros da organizada, desde sua fundação.
As portas do Parque São Jorge estão sempre abertas para os componentes da organização. Seus dirigentes são recebidos pelos diretores corintianos com honras.
Algumas atividades da Gaviões, como viagens para acompanhar o time e organização do desfile de Carnaval, recebem subsídios dos dirigentes corintianos, que reivindicam apoio em troca.
"Em 95, o (atual presidente, Alberto) Dualib colocou 120 ônibus à disposição para nós invadirmos Ribeirão Preto na final contra o Palmeiras", afirmou Metaleiro.
"Não tenho como censurar o dirigente que quer trazer torcida para seu clube. Eu não acho que isso seja condenável", disse Fernando Capez, promotor responsável pelo processo que baniu as organizadas dos estádios, em 1996.
Dirigentes da Gaviões dizem também ter recebido e recusado uma proposta de R$ 300 mil da atual diretoria do Corinthians em troca de amparo ao presidente Dualib até o final de seu mandato. A Folha não localizou membros da diretoria corintiana para comentar a acusação.
A Gaviões gaba-se de ser uma "força independente", que não precisa do auxílio do Corinthians. Mas, depois de receber a visita de três candidatos, escolheu um deles para as próximas eleições: Marlene Matheus, que é viúva do ex-presidente Vicente Matheus.
"Temos o respeito de qualquer que seja a diretoria. Somos sempre ouvidos. Se pedíssemos, teríamos uma sala no Parque São Jorge. Mas não queremos nada em troca", disse Metaleiro.
Porém Marlene acena com compensações pelo apoio recebido.
"Se for um jovem, sócio do clube e sem antecedentes criminais, podemos dar uma cadeira no conselho do Corinthians para eles (Gaviões), afirmou.
Preterido, o grupo de Antoine Gebran tenta minimizar a força da Gaviões. "Nunca pedimos apoio. Eu acho que a Gaviões é mais barulho do que outra coisa. Não acredito que possam decidir uma eleição", diz Damião Garcia, membro da chapa de Gebran.
O próprio Garcia não se mostra seguro de sua posição. "Claro que todo apoio é sempre bem-vindo."
Apesar do prestígio, dirigentes da Gaviões entendem que a torcida vem perdendo poder dentro do clube, onde tem hoje 2.000 sócios.
"Até 78, tínhamos sete ou oito conselheiros. Desde 87, após a reforma estatutária, não temos nenhum", disse Metaleiro.
A organização espera que corintianos ilustres e endinheirados contribuam com o Carnaval-98. O enredo vai contar a história do clube. A Gaviões já gastou R$ 750 mil na compra de 4.500 fantasias.
Política e filantropia
Metaleiro conta que muitos políticos pedem apoio à torcida.
"Até hoje, só apoiamos o Goulart (Antônio Goulart dos Reis, PMDB-SP, eleito vereador, com 25 mil votos)". Goulart é conselheiro vitalício da Gaviões.
O deputado federal Alberto Goldman, hoje no PSDB, é outro político que bebeu na fonte de votos da Gaviões. Segundo ele próprio afirma, entre 1990 e 1995 manteve vínculo com a torcida.
Frequentou a quadra da Gaviões, recebendo inclusive homenagens. "Não lembro se me tornei sócio", afirmou Goldman.
"Eu e qualquer presidente da Gaviões poderíamos ser eleitos para um cargo político, caso quiséssemos. Mas não seria justo. Não é a proposta da torcida. Antes de tudo, eu sou o Douglas, e não o Metaleiro, que ficou famoso por ser presidente da Gaviões."
Na torcida, existe eleição a cada dois anos. "Somos contra o continuísmo. A cada seis meses, passamos por uma auditoria. Ninguém quer usar a Gaviões como trampolim", afirmou o dirigente.
O presidente da organizada vangloria-se das obras assistenciais que a torcida sustenta.
"Cuidamos dos pobres que estão ao nosso redor. Damos abrigo aos favelados, contribuímos com a campanha do agasalho, com o Hospital do Câncer, com doações de sangue e estamos construindo um consultório dentário para a comunidade", afirmou Metaleiro.

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