São Paulo, sábado, 18 de outubro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Injustiça econômica

PAUL SINGER

É muita injustiça quando um grande número de crianças, mulheres e homens passa fome, mora ao relento e morre de causas evitáveis enquanto outros, no mesmo país e ao mesmo tempo, têm renda para desperdiçar, para gastar extravagantemente, para se permitir o que Veblen chamava de "consumo conspícuo".
Essa injustiça existe por toda parte, mas em lugar algum tanto quanto em nosso país. Os brasileiros ricos são muito ricos e os pobres são muitos, em termos relativos e absolutos. A parte letrada da população está a par dessa realidade, e praticamente ninguém a justifica.
A desculpa neoliberal de que, numa sociedade livre, ricos são ricos e pobres são pobres pelo seu próprio mérito não convence. Numa economia de mercado, como a nossa, as causas da desigualdade econômica são múltiplas e entre elas o mérito também está presente. Mas é apenas uma causa entre outras, como o acaso e a discriminação.
Muitos enriquecem pela sorte, sobretudo a de nascer em famílias de posses, e muitos mais empobrecem por azar, sobretudo pelo azar de ter pais também pobres. Privilégios e carências são hereditários e só isso bastaria para tornar a desigualdade uma injustiça revoltante.
Mas há ainda outra importante causa da desigualdade. Homens brancos heterossexuais têm comprovadamente melhores oportunidades econômicas que as pessoas de outro gênero, outras etnias e outras orientações sexuais.
Assim sendo, o acaso da família de origem e das características pessoais, quase todas inatas, discrimina os que vão ganhar muito mais do que necessitam e os que não vão ganhar nem o mínimo indispensável. E esse estado de coisas é conhecido e tolerado entre nós, graças à indiferença interessada dos privilegiados e à passividade das vítimas.
Está em discussão agora, no Senado, um dos projetos que mais prometem contribuir para minorar a injustiça social. Trata-se do projeto de lei que manda o governo federal subsidiar programas de renda mínima garantida de Estados e municípios.
Tais programas estão sendo propostos há quase uma década, e um projeto do senador Eduardo Suplicy já foi aprovado no Senado desde 1991. Uma de suas modalidades -a bolsa-escola, o pagamento de suplemento de renda a famílias miseráveis, desde que mantenham os filhos em escolas públicas- já está sendo praticada com êxito em Brasília e outros Estados e municípios.
Finalmente, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso acordou para a necessidade de implementar programas de redistribuição direta de renda e promete apoio a um dos projetos -infelizmente, o mais limitado em duração, no valor do suplemento de renda e na quantidade de famílias a ser beneficiadas.
É melhor do que nada, sem dúvida. Só que o tempo urge e as limitações orçamentárias não deveriam servir de pretexto para adiar e diluir a implementação da proposta.
É chegado o momento de colocar o enfrentamento da pobreza em larga escala no alto da agenda nacional. Sem a superinflação atordoante, não há nenhuma razão para postergar a discussão de amplos programas de combate à injustiça econômica.
É preciso não só subsidiar famílias para que eduquem os filhos e os alimentem adequadamente, mas também garantir terra a quem queira cultivá-la, apoiar e estimular iniciativas comunitárias de geração de renda e proporcionar, mediante aposentadoria redistributiva, velhice digna para quem teve dinheiro na vida.
O governo federal tem revelado pouquíssima disposição de combater a injustiça econômica no país. Mas há muitos governos municipais e alguns estaduais profundamente comprometidos com esse combate.
As iniciativas de Campinas e Brasília mostram o muito que pode ser feito nesse nível de governo. Deveriam ser convocados conclaves de combate pela justiça econômica, para compartilhar e divulgar as iniciativas de Estados, prefeituras e ONGs que conseguem canalizar renda dos que têm demais para os que nada têm. Essa questão deveria dominar o pleito de 1998.

Texto Anterior: Lições do abismo - 2
Próximo Texto: Pequenos acusam Carrefour de dumping; Cemex compra 30% de empresa nas Filipinas; Standard & Poors rebaixa a Apple; Sela vai coordenar a globalização na AL
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.