São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 1997
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"Seus três filhos morreram. A senhora está triste?"

ALOYSIO BIONDI

Chuvarada. Barracos desabam, crianças morrem. No local, a repórter de TV entrevista a mãe de três filhos mortos, soterrados:
"O que é que a senhora está sentindo?" -é a pergunta clássica.
Essa "frieza" da jornalista diante dos fatos, para alguns dito especialistas, é digna de elogios, verdadeiro exemplo de profissionalismo. Um comportamento tão admirável, que tem sido recomendado também para os jornalistas econômicos, por parte da equipe FHC e alguns analistas que se pretendem profundos. Para estes, a "indignação" não leva a nada.
Já para o doutor Gustavo Franco, do Planalto -segundo ele expôs em artigo nesta Folha- o jornalismo econômico moderno não tem nada a ver com as práticas jornalísticas de três, quatro ou cinco anos atrás, isto é, antes do reinado FHC.
Em resumo, pontifica o doutor Franco, a economia brasileira mudou, com o final da inflação, a globalização, a modernização da economia. Só os "dinossauros" ainda não entenderam essas mudanças, ensina o doutor Franco (e analistas "soi-disant" profundos), e por isso ainda usam expressões antigas, do fundo do baú, como "catástrofe", "caos", "destruição da indústria", "inadimplência galopante", "desemprego assustador".
Ora, diz doutor Gustavo, esses adjetivos todos exprimem emoções, tentam humanizar os fatos econômicos, e economia é uma ciência, a ser encarada friamente, tecnicamente. Jornalistas, formadores de opinião, líderes políticos e econômicos que não entenderem isso estão superados. São apenas "dinossauros" insepultos. É o que o Planalto e acólitos pregam.
Graças à competência e ao espírito científico do presidente FHC e sua equipe, o Brasil vive realmente uma fase em que não há fatos emocionantes na economia. O doutor Franco e seus acólitos têm toda razão. Há meses e meses, o noticiário econômico, entra mês e sai mês, é uma mesmice só. Não há novidades. Todos os meses, todos os dias, notícias iguais.
O desemprego bate recordes e chega a 16,3% na Grande São Paulo. Nos shoppings, 25% das lojas não estão conseguindo pagar seu aluguel. O número de carnês não pagos caminha para 5 milhões, só na capital paulista. As taxas de juros reais (descontada a inflação) estão na faixa dos 25% ao ano, oito vezes os níveis dos países ricos. Setores industriais inteiros são destruídos. As vendas nos supermercados caem. E até os compradores de carros atrasam as prestações, com os inadimplentes saltando para 6% dos financiamentos, contra 2,5% anteriores.
Tudo velho, tudo igual, desde o começo do governo FHC. Tolice pensar em caos, tragédia, miséria, violência. Isso é coisa de dinossauro. O máximo que doutor Gustavo Franco e seus seguidores toleram é que os jornalistas perguntem ao entrevistado, empresário ou trabalhador, classe média ou povão:
"Este país está sendo arrasado. O que é que você está sentindo?"
El Niño
Nesta coluna, defendeu-se tratamento preferencial à agricultura, para ampliar o plantio no Centro-Sul e tentar compensar eventuais estragos, nas colheitas, provocados pelo El Niño.
A proposta, de mero bom senso, mereceu "réplica" de porta-vozes do Planalto, que a consideraram -arghhhhhh- "catastrofista". Tolice pura, retrucaram: El Niño vai até ser benéfico, vai aumentar as colheitas no Brasil, "porque vai provocar chuvas intensas e a água favorece as culturas".
As chuvas, prossegue a argumentação, "só provocam estragos na época da colheita, lá para março, e os efeitos do El Niño devem terminar em fevereiro".
Polianas
Está no noticiário: o El Niño vem provocando chuvas torrenciais, calor excessivo, estiagens em algumas regiões. Qualquer alteração no clima afeta o desenvolvimento das lavouras e as colheitas pois -mesmo que isso não se saiba em Brasília- cada fase da vida das plantas pede determinadas condições de clima. Sem falar nos estragos pela erosão das lavouras, enxurradas e inundações de várzeas.
Provavelmente, nada disso preocupa o doutor Franco e a equipe FHC porque, com suas cabeças modernas e olhos voltados para o exterior, eles já têm soluções. Podem trazer, por exemplo, pescadoras de pérolas, mergulhadoras da Ásia, para plantarem arroz a cinco metros de profundidade, nas várzeas cobertas pelas águas no Rio Grande do Sul e Paraná. E nas regiões onde houver seca? Ora, basta trazer índios sioux, para dançarem a "dança da chuva". Afinal, importar é a solução.

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