São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 1997
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Lulu Santos diz que é tecno há 5 anos

LUIZ ANTÔNIO RYFF
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Lembrando que já foi tachado de brega, o cantor Lulu Santos, 44, diz que muda com o tempo e de acordo com o próprio tesão, que, por acaso ou não, aponta para o ritmo do momento.
Seu novo disco, "Liga Lá", traz 13 faixas, sendo sete "desconstruções". Entre elas, "Ando Meio Desligado", dos Mutantes, e "Dê um Rolê", dos Novos Baianos.
Deu roupagem tecno a "Fé Cega, Faca Amolada" -mas avisou a Milton Nascimento, um dos pais da criança, que havia "passado por cima" do original.
Mas seu orgulho maior é ter tirado Rogério Duprat do retiro para orquestrar "Tempo/Espaço".
Feliz com o resultado, Lulu arquivou o projeto de CD acústico. Idéia surgida, confessa, quando não sabia muito para onde ir.
O acústico não foi a única coisa a parar no armário. Desde que sentiu na pele as reações às críticas que fez à música sertaneja, a metralhadora giratória que costumava usar a torto e a direito está empoeirando.
"São coisas do passado que minha personalidade hoje em dia não segura", diz.
Lulu assegura que, agora, só fala do seu trabalho. "Não estou nesse negócio para dar opinião. Estou aqui para fazer o melhor trabalho possível." Confira na entrevista concedida à Folha.
*
Folha - Você não havia dito que queria parar de gravar discos?
Lulu Santos - Era tristeza com o meu trabalho. Parece até que você quer ser ator... (Ele declarou que queria ser ator e fez um pequeno papel em "O Que É Isso, Companheiro?".)
Folha - Você afirmou certa vez que mudava junto com o público. E quem ficava parado era poste. Já foi rotulado de progressivo, roqueiro... Agora é tecno?
Lulu - Não me importo com rótulos. Eu faço. Minhas mudanças são mais libidinosas do que qualquer outra coisa.
Vou para onde o meu tesão aponta. Mas posso corrigir a frase. Eu mudo junto com o tempo. Uma pessoa que lança um disco devia ter uma licença para cometer desatino. Não há distância para saber o que fez e por quê.
Folha - Tecno e música eletrônica viraram sinônimo de modernidade. Artistas como os Rolling Stones, David Bowie e David Byrne estão usando esses elementos que são a bola da vez do mercado...
Lulu - ...Da parte de quem precisa tornar algo bola da vez sempre. Eu estou fazendo essas coisas há pelo menos quatro projetos, há cinco anos. Mesmo o disco "Pop Sambalanço e Outras Levadas" (1989) é 80% eletrônico.
Folha - Você é um bom instrumentista. Mas esse lado não é muito observado por público e crítica.
Lulu - Eu me defendo. Não disserto Heiddeger nem Kant no violão. Estou inscrito em uma tradição de música comercial.
O que me leva a fazer música são os sucessos da década de 60, Beatles, Stones, Caetano Veloso, Roberto Carlos. Não estou inscrito em uma tradição de música experimental, instrumental ou "excremental". Não é a minha. Pego meu violão e faço músicas simples e adequadas. Não quero outra coisa.
Eu toco guitarra de forma alegórica. Ela não é meu próprio umbigo. Tenho outras possibilidades de expressão. Toco guitarra como quem toca um sampler de guitarra. Música é o que você sente quando ouve música. Não é o que você faz.
Folha - Há algum tempo, você disse que é fácil fazer tecno...
Lulu - Por isso é legal. Música pop é dar expressão para quem não tem conhecimento musical. Quem eram os Beatles? Músicos clássicos de laboratório?
Folha - Você já disse que uma das coisas mais interessantes na música eletrônica era que ela não tinha rostos. Agora flerta com o eletrônico, tira a cara da capa do CD, só quer falar de música...
Lulu - ...Sobra a música. É isso que eu sou. Essa é a parte pública. O primeiro cachê que ganhei, aos 11 anos de idade, não foi para fazer declarações ou ser filosófico.
Folha - Você tem aulas de samba. Gravou "Chico Brito" (Wilson Batista e Afonso Teixeira) e se preocupa com uma ponte entre passado e futuro. No CD, a ponte ficou mais no futuro, não?
Lulu - Estamos indo para o futuro. Acho-me futurista. Acho-me futurístico. Não que eu me construa dessa forma. Tenho 44 anos...
Folha - Apontam a música eletrônica como o futuro. Ela ainda não guarda um componente de gueto?
Lulu - Na Europa, está sendo o futuro. Os EUA são puritanos até quando querem andar para frente. Mas o Prodigy ganhou a escolha da audiência no VMA da MTV. Ele são os Beatles de novo. Eu a-do-ro o Prodigy. Quero ter lancheira, camiseta e bonequinho de plástico.

O jornalista Luiz Antônio Ryff viajou a convite da gravadora BMG

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