São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 1997
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De mídia e de "burradas"

CLÓVIS ROSSI

Buenos Aires - O ministro argentino da Economia, Roque Fernández, inventou um novo tipo de golpe de Estado, o "mediático" (praticado pela mídia). Diz ele que o jornalismo distorce as realizações do governo, para dar a vitória eleitoral à oposição.
Levou pancada de todos os lados, até de colegas de gabinete. Dos jornais e dos jornalistas, então, nem se fala.
Pode ser apenas uma "burrada", como qualificou Guillermo Ignacio, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da Associação de Entidades Jornalísticas Argentinas.
Mas suspeito que se trata de um pensamento generalizado em todos os governantes. Os outros só não cometem a "burrada" de dizer de público o que pensam. No governo brasileiro, por exemplo, há quem ache que eu odeio o governo. É outra "burrada".
Não tenho por que amar ou odiar governos. Sou pago para noticiar e/ou opinar a respeito do que fazem. Se fazem bem, dispensam elogios, porque estão apenas cumprindo a obrigação. Sobra, naturalmente, mais espaço para a crítica.
O problema é que, no mês que vem, a América Latina corre o risco de institucionalizar a "burrada": a cúpula ibero-americana de Caracas deve discutir proposta do governo anfitrião para criar lei que obriga o jornalismo a só publicar "informação veraz".
É lindo, sem dúvida. Mas tem um pequeno problema, nas palavras de Luis Gabriel Cano, o colombiano que está deixando a presidência da Sociedade Interamericana de Imprensa: "Quem pode determinar o que é uma informação veraz?".
Resposta óbvia: o leitor, que não pode ser tratado como débil mental, capaz de comprar qualquer "burrada" divulgada pela mídia.
Houve um tempo em que, de fato, a mídia promovia "golpes de Estado", sempre contra governos (ou candidatos) de esquerda ou incômodos para o establishment. Agora, na democracia, é mais do que "burrada" a lei da "informação veraz".

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