São Paulo, sábado, 25 de outubro de 1997
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José Mindlin exibe coleção de lembranças

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

O bibliófilo José Mindlin levou 70 anos para reunir, em sua biblioteca, 25 mil livros. E quatro semanas para escrever um.
No próximo dia 4, Mindlin lança "Uma Vida entre Livros - Reencontros com o Tempo" (Edusp/Companhia das Letras), em que conta um pouco da história de sua coleção, passando pela memória de sua convivência com autores, livreiros e aventuras vividas em nome de um volume raro ou afetivamente precioso.
"Demorei muito tempo até me convencer de que seria útil para alguém meus casos sobre livros", conta Mindlin, 83, em frente à estante que toma toda a parede da sala de sua casa- uma pequena amostra de sua biblioteca.
"Mas depois percebi, com a ajuda de conversas com amigos, que talvez as histórias servissem para despertar o interesse de muitas pessoas que guardam distância -talvez por medo- dos livros."
Com 214 páginas (além de um caderno de ilustrações), "Uma Vida" conta uma trajetória iniciada pelo autor aos 13 anos de idade, quando passeava pelas livrarias e sebos do centro da cidade de São Paulo.
Mindlin, quando criança, descobriu onde comprar livros mais baratos para, rapidamente, revendê-los com preços mais altos em outras livrarias, recebendo não dinheiro, mas crédito para ser trocado por outros livros.
O que começou então como um hábito, com anos se tornou, para ele, uma feliz obsessão.
Participou de inúmeros leilões motivado pela vontade de possuir uma obra rara. Foi favorecido pelo acaso (encontrar o que mais deseja no lugar onde não espera) nas livrarias de Paris, Nova York ou em um jantar com estranhos que, durante uma conversa, revelaram possuir o que Mindlin procurava há décadas.
Cada episódio, no livro que lança agora, é contado nos seus -por vezes incríveis- detalhes, comprovando uma idéia do professor Antonio Candido, autor do prefácio de "Uma Vida entre Livros".
"Interessante é a maneira pela qual mostra o vínculo misterioso entre o caçador e a presa, como se uma afinidade criasse a atração de um pelo outro, de tal modo que o exemplar ansiosamente procurado durante anos acaba um dia se insinuando como, deliberadamente, no caminho de quem o procura, segundo uma espécie de sorte especial: 'A gente procura o livro e o livro procura a gente'." Assim escreve Candido, aproveitando uma frase de Mindlin para definir a relação com a coleção.
Autores
"As pessoas lêem muito mais do que dizem. O maior problema é imaginar que você tem que possuir um livro para poder lê-lo. Nos EUA, mesmo a mais humilde das cidades possui a sua biblioteca pública."
Mindlin -que foi secretário da Cultura de São Paulo na administração Paulo Egydio, em 1975, demitindo-se por desavenças políticas- sabe que seus livros ocupam uma função que, ao menos em princípio, deveria ser do Estado.
Apesar de particular, Mindlin abre sua coleção para estudantes e pesquisadores que, muitas vezes, encontram em sua casa obras que a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, não possui.
"Eu não acredito, como muitos, que uma obra rara deva ser escondida do público. Há pessoas que não expõem por imaginar que isso tira o valor. Eu penso o contrário. Você pode amar o que tem, mas isso não impede que seja proveitoso para as outras pessoas."
Saindo da sala e seguindo para outras alas de sua biblioteca -decorada com esculturas, vasos indígenas e mapas da cartografia colonial-, Mindlin mostra seu maior argumento contra os computadores: manuscritos e trabalhos corrigidos à mão de Guimarães Rosa ou Érico Veríssimo.
"No futuro, o que poderemos ter? Como poderá ser feita uma crítica genética de uma obra?"
Mindlin passeia entre as estantes ("a primeira mobília que comprei depois que me casei foram as prateleiras") e se aproxima das obras de Carlos Drummond de Andrade, várias autografadas ou contendo pequenas cartas na página inicial.
"Eu sempre me senti inferior ao Drummond. Algo me fazia sentir assim, apesar da relação carinhosa que sempre tivemos. Anos depois de sua morte, contaram-me algo que me fez ver que ele também me olhava de um outro jeito. Sempre dizia: 'Ah! o Mindlin é um mito'."

Livro: Uma Vida entre Livros - Reencontros com o Tempo
Quanto: não definido (214 págs.)

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