São Paulo, domingo, 26 de outubro de 1997
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Orlando do bairro

MARCELO MANSFIELD
ESPECIAL PARA A FOLHA

Num ponto qualquer da Cidade do México, a milionária toda em lamê balança o topetão enquanto detona uma bolacha na cara da heroína: "Você nunca vai se casar com Epaminondas Gutierrez!!!". Com sua cintura de vespa zunindo, Thalia dá meia-volta e promete vingança. Pegue o controle remoto.
No sertão da Manchete, aos sussurros, algum cangaceiro estupra uma virgem. Muda a estação. Regina Duarte chora por amor. E o país chora com ela. Afinal, tudo está tão caro que a única coisa barata que se aproveita é esse sentimentalismo em cores.
Mas, como diria Chacrinha, "na TV nada se cria, tudo se copia". E essas cópias malfeitas têm um original: Orlando Dias.
Original é pouco. Esse pernambucano chegou ao "Sul maravilha" imitando Orlando Silva. Vendo que não iria muito longe, criou seu próprio estilo.
Orlando Dias arrancava a manga da camisa, esfregava o lenço na cara encharcada de lágrimas, se atirava ao chão, despenteava o cabelo, se arrastava aos prantos pelo palco e pisoteava o paletó até virar um trapo.
Ao mesmo tempo, cantava músicas com títulos pra lá de sugestivos, como "Você não Vale Nada", "Com Pedra na Mão" e a minha favorita, "Venal Criatura", em que dizia, enquanto desmilinguia-se ao vivo, "gente pior do que você eu nunca vi" ou "você para mim não tem compostura". Em pouco tempo, havia vendido 2 milhões de discos, comprado meia dúzia de apartamentos e terrenos em São Paulo, Rio e Brasília, e claro, no Recife.
Criou uma escola, cujos seguidores mais famosos foram Waldick Soriano, Adilson Ramos e Luiz Wanderley. Comediantes o imitavam, e até hoje Raul Gil ainda arranca o lenço do bolso ao menor pretexto para imitar o cantor. Era criticado por todo lado.
Um cronista o chamou de "esquizofrênico". O comediante Vagareza declarou que até suas fãs achavam sua voz "um quiabo". Haroldo Barbosa disse que ele andava pelas adjacências da loucura e Riva Blanche, sem meias palavras, o "defendeu" assim: "Não acho que sejam um débil mental".
A verdade é que Orlando Dias, ao contrário da baboseira perfumada reinante na TV de hoje, não se levava a sério. Ele era sua própria caricatura, sua maior piada. Diz a lenda que suas roupas eram só alinhavadas para que ele pudesse arrancá-las ao menor gesto.
Sua estética era o que se chama de brega, mas, na verdade, era um ato bem elaborado, ensaiado para causar furor. Diz a Bíblia que Deus fez a mulher da costela de Adão. Pois se das costelas que a mexicana Thalia tanto apregoa ter tirado nascesse um homem, ele seria Orlando Dias.

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