São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 1997
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Projeto viável leva verba, diz Mendonça de Barros

DA ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Não existem mais limites para o BNDES: quem bate às suas portas atrás de empréstimo apresentando um "projeto viável, interessante, eficiente", leva os recursos.
O BNDES passou a ser administrado como um banco privado: se há procura por crédito, o banco vai buscar os recursos para poder emprestar para seu cliente.
A mudança na atuação do banco foi adotada por Luiz Carlos Mendonça de Barros, que completa 55 anos nesta semana. Ele levou para o banco, que preside há exatos dois anos, seu estilo agressivo de operar no mercado financeiro.
Rodeado por dois assessores e um diretor do banco, todos devidamente engravatados, Mendonça de Barros, vestindo camisa esporte, de mangas curtas, e com seu inseparável cachimbo, falou sobre a reformulação do banco em entrevista à Folha na quinta-feira passada. Veja a seguir os principais trechos dessa entrevista:
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Folha - Como o sr. explica as mudanças no BNDES?
Luiz Carlos Mendonça de Barros - Uma das principais mudanças que fizemos nos dois últimos anos foi entender que, na economia moderna, o setor industrial perdeu muita importância "vis-à-vis" outros setores. O banco incorporou pela primeira vez a questão dos serviços, uma área que nunca tinha tido prioridade.
Folha - Hoje as operações de financiamento para o setor de serviços já têm um valor bastante alto?
Mendonça de Barros - Sem dúvida. Estamos agora desenvolvendo uma ação mais abrangente na área da agricultura, que também nunca foi prioridade do banco. Mas vamos entrar nessa nova área como banco de investimento.
Essas mudanças foram centradas em três forças básicas. A primeira é a estabilização, que permitiu um novo ciclo de investimentos. A segunda força é a abertura da economia brasileira, que está sendo feita no momento em que ocorre a globalização. A terceira força é a reforma do Estado, que as pessoas que não conseguem enxergar longe chamam de privatização.
É nesse quadro que o banco está se rearranjando estrategicamente. E isso significou um crescimento brutal das aplicações do banco. Pela primeira vez, o banco está tendo está sendo obrigado a se reformular na captação de recursos.
Folha - A captação de recursos é determinada pela demanda?
Mendonça de Barros - A captação vai a reboque da demanda. Como ocorre com qualquer banco.
Folha - A demanda é o limite?
Mendonça de Barros - A demanda é o limite. Evidentemente, a economia brasileira é muito grande e vai chegar o momento em que o banco vai esgotar suas possibilidades de captação. Mas estamos na busca de formas novas de obtenção de recursos.
Folha - Para 1998, a previsão é de um crescimento dos empréstimos como o deste ano, de mais de 40%?
Mendonça de Barros - Não. Vai depender muito do comportamento dos mercados. Já sabemos onde buscar recursos para conceder empréstimos na ordem de R$ 13 bilhões.
Folha - Voltando ao tripé do que o sr. chamou de forças básicas da economia brasileira atualmente. Como o banco está intervindo na economia nessas condições?
Mendonça de Barros - O banco não pode fazer muito em termos de estabilização, mas sobre a reformulação do parque produtivo gerada pela abertura do mercado e pela reforma do Estado, aí o banco pode agir. Por exemplo, não temos influência nenhuma sobre a reestruturação da indústria automotiva no Brasil, porque essa é uma decisão privada. Essa reestruturação é fundamental porque se faz uma só vez. As decisões são definitivas.
Se uma fábrica for para a Argentina e não vier para o Brasil, ela foi para a Argentina. Nossa postura, então, é muito agressiva: nenhum investimento que faça sentido nessa reestruturação vai deixar de ser feito no país por falta de recursos.
Folha - O sr. acha que, para tornar o Brasil atraente para as montadoras, é essencial que o BNDES ofereça financiamento para elas?
Mendonça de Barros - Acho. Folha - O BNDES não estaria entrando na guerra fiscal entre os Estados?
Mendonça de Barros - Para mim, é uma guerra legítima.
Folha - O BNDES começa a tocar projetos na área social, como o programa de crédito popular. O banco está fazendo isso para justificar o S de Social do nome?
Mendonça de Barros - O banco foi criado como BNDE. O Delfim Netto é que mudou para BNDES para poder pegar o dinheiro do PIS e Pasep. Sempre discutimos se haveria espaço para uma ação social do banco. Se não tivesse, seria melhor tirar o S do nome. Mas chegamos à conclusão que também tinha espaço para isso.
Folha - E diante dessa diversificação, como ficam os empréstimos para o setor industrial, tradicionalmente apoiado pelo BNDES?
Mendonça de Barros - No setor industrial, a nossa função é a seguinte: enquanto tivermos fôlego, apareceu um projeto que faça sentido, nós apoiamos. Para mim, não interessa se é João da Silva, Pedro Paulo...
Folha - Não interessa se é empresa multinacional ou brasileira?
Mendonça de Barros - Não existe mais multinacional. Hoje, existe empresa global. Essa é a regra geral -atender todo projeto viável. Agora, temos certas preocupações, como área social, desenvolvimento regional.
E temos a preocupação de que existem empresas brasileiras que estão competindo com empresa estrangeira às vezes com desvantagem. Então, estamos procurando dar apoio à empresa brasileira por meio, por exemplo, de participação do BNDESpar.
Folha - O crescimento das aplicações do BNDES e as operações de crédito a Estados e municípios não abrem espaço para maior ingerência política no banco?
Mendonça de Barros - O banco não tem nada a ver com política. Com Estados e prefeituras, temos programas muito específicos e temos também critérios muito rígidos -qualquer pedido de empréstimo primeiro passa por uma análise de crédito e recebe uma classificação. Só recebe crédito quem está acima de determinado nível.
Folha - O BNDES estaria ocupando todos os espaços onde está faltando ação governamental por causa de restrições orçamentárias?
Mendonça de Barros - E qual é o problema de fazer isso? É isso mesmo. O banco não depende de orçamento e está ganhando bastante dinheiro.
Folha - Como esse projeto de mudanças do BNDES se insere na proposta de reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso?
Mendonça de Barros - Não tem nada a ver com reeleição. Eu sou a favor da reeleição, vou votar no Fernando Henrique. A instituição é absolutamente neutra. Agora, é evidente que ao fazer tudo isso estamos contribuindo para que o governo tenha uma imagem melhor, que no fundo rebate no presidente da República. Mas nada que fazemos tem motivação eleitoral.

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