São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 1997
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Sentimentos da semana

JOÃO SAYAD

Quem chega de férias tem dificuldades para pensar e trabalhar na primeira semana. É como se as férias retirassem as calosidades e a casca grossa que nos protegiam das coisas de que não gostamos, que nos criam ansiedade, irritação ou revolta.
Na semana passada, retomando o trabalho, as aulas e lendo os jornais experimentei todos os tipos de emoção.
Raiva e sentimento de impotência - A liberdade de concorrer e a criatividade dão resultados espantosos. Em São Paulo, inventamos as peruas, novo sistema de transporte muito conveniente.
Os passageiros pagam tarifa igual a do ônibus, mas viajam sentados. Tomam o lotação em qualquer lugar e descem em qualquer lugar. Estão livres de assaltos ou dos inconvenientes do ônibus cheio, onde as mulheres são amassadas e os passageiros, muitas vezes, vítimas de furtos ou assaltos.
Os motoristas e cobradores têm a oportunidade de desenvolver seu próprio negócio, ganhar mais e trabalhar com mais dignidade do que se fossem empregados de empresas de ônibus.
O trânsito da cidade fica melhor porque as peruas são menores do que os ônibus, andam na velocidade média dos automóveis, são mais ágeis e não atrapalham o trânsito como os ônibus.
As peruas não concorrem com os táxis, que são cinco ou dez vezes mais caros.
Os únicos prejudicados com a invenção são as companhias de ônibus, que têm perdido passageiros.
A mesma concorrência faz com que todas as empresas de ônibus queiram transitar pela avenida Paulista, enquanto por baixo da avenida correm os metrôs de ponta a ponta.
É comum que a concorrência aglomere os competidores no mesmo lugar. Restaurantes ficam perto de restaurantes, cinemas perto de outros cinemas, camelôs perto de outros camelôs. No caso dos ônibus na avenida Paulista, só atrapalham o trânsito e andam vazios. A concorrência aí deveria ser regulada. A vida não é simples. Concorrência ajuda e atrapalha.
Segundo pesquisas, 85% dos paulistanos gostam e apóiam os perueiros e o novo meio de transporte.
Surpresa: todos os vereadores do PPB na Câmara Municipal votaram projeto de lei de iniciativa da própria Câmara tornando as peruas ilegais. Alegam que defendem os interesses dos taxistas.
Não consegui falar com nenhum taxista que estivesse contra as peruas. Talvez estejam defendendo apenas as empresas de ônibus.
Os mesmos vereadores não tomaram nenhuma iniciativa eficaz para averiguar o escândalo dos precatórios da Prefeitura de São Paulo ou as acusações de corrupção na compra de frangos.
Por que o PPB (Partido Progressista Brasileiro), defensor do mercado e da livre iniciativa adota posição contra pequenos empresários donos de lotação? Por que se chama progressista? Em que sentido é brasileiro?
Na quinta-feira votaram outra lei e tudo ficou como antes.
Solidariedade e simpatia - O professor Pochmann, da Universidade de Campinas, mostrou em artigo na quarta-feira como se calcula o índice de desemprego nos Estados Unidos. E como é informal o mercado brasileiro de trabalho.
O desemprego e as restrições legais do mercado de trabalho lá são maiores do que imaginamos.
Aqui, as restrições legais do mercado de trabalho são menores e o desemprego maior.
O primeiro-ministro Jospin, socialista, França, propõe a redução da jornada de trabalho para 35 horas no ano 2000.
Os jornais franceses nos consolam, particularmente o "Le Figaro". É mais ranzinza, mais reacionário e mais neoliberal do que o mais neoliberal dos neoliberais brasileiros. Reclama, reclama e reclama.
Diz que a França está na contramão da história.
De fato, está na contramão da Europa. Vai ser difícil para a França concorrer com outros países europeus depois dessa medida, particularmente porque não pode mudar o câmbio agora e muito menos depois, com a moeda única européia.
Mas não está na contramão da história, pois a redução da jornada de trabalho faz todo sentido como solução para os problemas de desemprego e superprodução da economia mundial.
A França está apenas na contramão da geografia. O que é igualmente difícil. Mas nos consola saber que existe pelo menos um governo socialista ou social democrata no mundo que demonstra compreender os problemas do mundo. Ainda que não consiga implementar soluções, pois uma andorinha só não faz verão.

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