São Paulo, terça-feira, 28 de outubro de 1997
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'O Furgão' de Frears combate thatcherismo

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Primeiro, Thatcher perdeu o poder no Partido Conservador. Depois, o Partido Conservador perdeu o poder.
Para Stephen Frears, isso são detalhes. Esteja em Londres ou em Dublin, como em "O Furgão", o thatcherismo continua sendo o fenômeno a combater nesse fim de século britânico.
É verdade que, sob Thatcher, um promissor cinema britânico sofreu cortes de verbas violentos. Mas talvez se deva à ex-primeira ministra a atenção que esse cinema passou a dar às classes pobres (em detrimento da era vitoriana).
Frears é, quase com certeza, o mais consequente desses cineastas, até porque sua descrição da vida dos pobres, embora central em seu cinema, possui aspectos que transcendem tranquilamente o político.
Em "O Furgão", por exemplo, temos Bimbo, um padeiro desempregado, que compra um desses veículos caindo de velhos para abrir um negócio de hambúrgueres. Quem o acompanha na aventura é Larry, amigo do peito e desempregado crônico.
Existe uma discreta epopéia na empreitada: restaurar o furgão, colocá-lo em movimento e enfrentar as adversidades são momentos que exigem não só força de vontade como um sentido de amizade, de partilha de sentimentos e objetivos.
É o triunfo dos negócios que colocará em risco a amizade de Bimbo e Larry, já que o segundo não se conformará com a condição de empregado. A rigor, nada havia mudado, a não ser para melhor. Eles trabalham com prazer, ganham dinheiro etc. Mas é o nível simbólico que impacienta Larry: é sentir-se subalterno diante do próprio amigo.
Como quase sempre em Stephen Frears, não há porque esperar nada de muito espetacular: é a série de pequenos incidentes que faz a história; são os palavrões ditos em profusão (em casa, Larry paga multa quando os fala); o estranho sotaque; o caráter passional das relações interpessoais; uma certa boçalidade.
Como em "A Pequena Família de Stephen Frears" ou mesmo "Minha Adorável Lavanderia", é a descrição dos personagens, ao longo da narrativa, o que tem mais peso.

Onde: Masp - Grande Auditório, hoje, às 12h10

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